editorial
Provavelmente , muitos não terão ainda dado por isso , mas a verdade é que os vinhos do Douro mudaram , e bastante , ao longo , sobretudo , da última década . O território continua o mesmo , imponente , marcante . Mas as opções vínicas são , hoje , muito mais diferenciadas , deixando o tom monocromático de outrora para exibirem toda a paleta do arco-íris .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com
A
Tanto Douro
viso à navegação : vou dizer algo que pode chocar as almas vínicas mais sensíveis . Se for o caso , por favor , parem de ler por aqui . Continuo ? Então aí vai : durante muito , muito tempo , a prova dos melhores tintos do Douro , com trinta ou quarenta vinhos , era a avaliação mais aborrecida , monótona , física e mentalmente extenuante , do calendário anual de provas da nossa equipa . Pronto , está dito . Agora , deixem que justifique tão singular afirmação . O desafio principal desse painel de prova assentava no facto de os vinhos serem cansativamente bons ( sem os altos e baixos que facilitam avaliar grande número de amostras ) e , ao mesmo tempo , insuportavelmente parecidos uns com os outros . E porquê ? Porque a uniformidade de decisões de adega tomadas pelos produtores e enólogos para os tintos mais ambiciosos do seu portefólio , acabava por esbater consideravelmente a origem das uvas . O Douro moderno , no que aos vinhos “ não Porto ” diz respeito , nasceu no início dos anos 90 . Ramos Pinto , Niepoort , Alves de Sousa , Quinta do Crasto foram alguns desses pioneiros , seguidos no final dessa década por nomes como Vallado , Vale Meão , Quinta da Leda , Chryseia , entre outros . Na década seguinte o Douro já fervilhava . E uma nova geração de produtores e enólogos partilhava entre si conhecimentos e experiências enriquecedoras , consolidando , colheita após colheita , a qualidade dos seus vinhos , empurrados por um mercado receptivo e entusiástico . Nunca tantos e tão bons vinhos se tinham feito no Douro . Apenas um senão , aquele que acima mencionei : ao contrário dos vinhos pioneiros , que assentavam num processo de aprendizagem , e também por isso bem diferentes entre si , estes vinhos partiam de técnicas e equipamentos comuns ( quase toda a gente fazia as mesmas macerações e remontagens e comprava as barricas nas mesmas tanoarias …) e eram demasiado semelhantes no conceito e no estilo . Nos últimos nove ou dez anos , o panorama tem vindo a mudar . Resolvido o conhecimento técnico , existe agora muito mais margem de manobra para experimentar com segurança . E os profissionais durienses estão a tirar o máximo partido disso . Todos os recipientes de fermentação e estágio são válidos ( lagar , inox , cimento , barro , até plástico alimentar …), a madeira não tem a preponderância de outrora , a marcação da vindima já é feita em função do estilo de vinho pretendido ( encontramos belos tintos , entre os 12,5 % aos 15,5 %...). Mais importante do que tudo o resto : o respeito pela origem está na primeira linha das preocupações de produtores e enólogos . Baixo Corgo , Cima Corgo , Douro Superior , vale do Tua , do Torto , do Pinhão , do Távora , do Côa , exposição solar , altitude , castas , constituem um imenso puzzle que começa agora , verdadeiramente , a fazer sentido . Já não basta dizer que o vinho é do Douro . Cada vez mais , um local concreto se expressa nos aromas e sabores do vinho , tão ou mais importante do que as decisões de vinha e adega . Duas reportagens publicadas nesta edição sobre novos vinhos durienses constituem os melhores exemplos do que acabo de referir . A Quinta de Ervamoira exalta o Douro moderno : a vinha ao alto , a Touriga Franca e a Touriga Nacional , o carácter do Côa na suprema qualidade da fruta e polimento de taninos . A Quinta da Manoella é um monumento ao Douro antigo : a vinha velha com inúmeras castas , o field blend , a personalidade de Vale de Mendiz na notável complexidade silvestre , terrosa e fresca . Hoje , podemos continuar a dizer que os vinhos do Douro nunca foram tão bons . Mas devemos acrescentar que nunca foram tão diferentes e respeitadores das suas muitas origens . A região chegou , finalmente , à sua idade do ouro .
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