editorial
Antes, durante, depois
Escrevo estas linhas pouco
mais de 24 horas após
ter terminado o chamado
confinamento. Ou, melhor
dito, um dia depois do
início da primeira fase
do desconfinamento. No
que ao mercado do vinho
respeita, sabemos como
foi o antes, estamos agora
a analisar o que se passou
durante, e não temos
qualquer indicação sobre
o que acontecerá depois.
Mas, entretanto, surgiram
interessantes estudos de
mercado que nos ajudam
a perceber (e tentar
antever) o comportamento
dos consumidores em
diferentes países.
luis lopes
[email protected]
A
o longo destes últimos dois meses, fechado em casa, tenho falado diariamente
com inúmeros produtores de vinho, grandes, médios e pequenos,
especializados em diferentes mercados e segmentos de preço, e a
unanimidade é impressionante relativamente a um dado em particular:
até ao estado de emergência decretado a 18 de março, o primeiro trimestre
do ano estava a ser o melhor de sempre em termos de facturação
para o mercado interno e externo. Tão positivos foram os números que, apesar da
quase total ausência de negócio nas últimas duas semanas do mês, o rótulo de “ 1º trimestre
campeão” não lhe pode ser retirado. Mas isso foi o antes. E o antes já é história.
Quanto ao durante, esse vai durar até uma relativa normalidade ser reposta. Mas tive
acesso a alguns estudos de mercado que ajudam a perceber em que ponto estamos. Talvez
o mais interessante de todos seja o promovido pela European Association of Wine
Economists (EuAWE), da qual faz parte a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
(UTAD), através do Prof. João Rebelo. A 17 de abril foi lançado um inquérito em 8 países
(Espanha, Bélgica, Itália, França, Áustria, Alemanha, Portugal e Suíça) para determinar
como a crise da Covid-19 afeta o comportamento dos consumidores europeus de vinho.
Apesar de o inquérito ter terminado apenas a 10 de maio, a 30 de Abril existiam já dados
que permitiam conclusões “estatisticamente robustas” em Espanha, França, Itália e Portugal,
com base em 6600 respostas de consumidores de vinho e bebidas alcoólicas.
Eis alguns dos dados mais impactantes recolhidos pelo estudo da EuAWE. Nos quatro
países, a frequência do consumo de vinho aumentou acentuadamente com o confinamento,
ao passo que caiu para a cerveja e, ainda mais, para as bebidas espirituosas. O
preço médio de compra do vinho diminuiu significativamente. Os supermercados continuam
a ser o principal canal de distribuição. O e-commerce cresceu muito, ainda que
partindo de uma base reduzida: 80% dos inquiridos continuam a não fazer compras on-
-line, mas 8,3% dos italianos, 6,6% dos espanhóis, 5,2% dos portugueses e 4,6% dos
franceses compraram vinho pela primeira vez via Internet; os stocks pessoais levaram um
rombo – as garrafeiras de casa têm sido o principal vector para aumentar a frequência do
consumo de vinho. Registou-se uma explosão das “provas digitais”, especialmente entre
os franceses, com quase metade dos inquiridos a referir ter experimentado esta forma de
degustação. Outras fontes confirmam o padrão. A fiável Wine Intelligence, relativamente
aos EUA e ao Reino Unido (o estudo relativo a Portugal chegou-me depois do fecho desta
edição), aponta para mais consumo em casa, mas compras a preços mais baixos.
E quanto ao futuro a curto prazo, aquilo que vem depois? Bom, também aí o estudo da
EuAWE deixa algumas pistas. Por exemplo, 70% dos inquiridos consideram que é necessário
favorecer a compra de vinho local, o que é consistente com a tendência, que já se
esboçava antes da crise, de privilegiar circuitos curtos na indústria alimentar. Três quartos
das pessoas pensam que deixarão de lado as provas on-line. Por outro lado, é possível
prever alguma retoma na compra de vinhos mais ambiciosos, para repor o stock das garrafeiras
pessoais. Já a Wine Intelligence refere que cerca de 40% dos consumidores norte-americanos
inquiridos disseram que teriam menos probabilidade de ir a um restaurante
nos tempos pós confinamento. E mostram-se bastante cautelosos relativamente às
finanças domésticas e à ideia de embarcar num avião. Mas nem tudo está perdido. Ao
que o estudo indica, a intenção parece ser substituir grandes luxos, como férias no estrangeiro,
por pequenos luxos, como uma garrafa de vinho de melhor qualidade. O desafio
está em fazer com que esse vinho seja português…
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