V Grandes Escolhas Julho 2022 | Page 4

luis lopes

editorial Ser “ vigneron ”

Fazer vinho exclusivamente a partir das suas próprias uvas tem hoje , em Portugal , muito mais desvantagens do que benefícios . É que , aos enormes constrangimentos de produção que esse modelo obriga , não corresponde um acréscimo efectivo de notoriedade ou valor de marca junto do consumidor . Para este último , são todos produtores de vinho . Mas não é verdade .

luis lopes

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V em este tema a propósito de uma das peças desta edição de julho da Grandes Escolhas , a que aborda os extraordinários Garrafeiras brancos da Quinta das Bágeiras e do seu criador , Mário Sérgio Nuno . Alguém que , contra ventos e marés , criou uma marca de referência e que , teimosamente , continua a fazer os seus vinhos exclusivamente a partir das uvas que crescem nas suas vinhas . Mesmo que , para tal , abdique de vender , a bom preço , mais umas boas dezenas de milhar de garrafas por ano . A única compensação : poder , com orgulho e legitimidade , intitular-se “ Vigneron ” e manifestar isso mesmo nas T-shirt que usa nos eventos e provas de vinho . Mas , feitas as contas , vale a pena ? Tempos houve em que acreditei que sim . Quando comecei a escrever sobre vinhos , em 1989 , a estrutura de produção , em Portugal , estava perfeitamente definida . Havia as adegas cooperativas , que vinificavam as uvas dos cooperantes ; havia os armazenistas puros , que não vinificavam ( e eram muitos , acreditem !), compravam vinho feito que engarrafavam com a sua marca ; havia os armazenistas “ híbridos ”, que faziam o mesmo que os anteriores mas também vinificavam , compravam uvas e , por vezes , até tinham algumas vinhas ; havia os viticultores , que vendiam uvas e , muitas vezes , também faziam vinho para vender a granel aos armazenistas ; e havia os produtores-engarrafadores que , genericamente , correspondiam aos então chamados “ vinhos de quinta ” que começavam a ganhar notoriedade . Este conceito de fazer vinho a partir de uvas de uma só quinta mexeu bastante com o mercado dos anos 90 : eram vinhos bem mais cotados e mais caros do que os de “ armazenistas ”. Significava que eram melhores ? Nuns casos sim , noutros não . Mas os consumidores tinham por eles mais respeito e estavam dispostos a pagar mais . Com o tempo , tudo isto se diluiu . Hoje , para o apreciador , mesmo o mais exigente , tudo entra no mesmo saco com a etiqueta “ produtor de vinho ”, incluindo os “ marketeiros ” que assinam rótulos de vinho que nunca produziram . No entanto , a legislação existe e é bem explícita . A inscrição obrigatória , no IVV , para o exercício de atividade no sector vitivinícola , determina em que categoria , ou categorias se está . Alguns exemplos , resumidos , da lei . “ Armazenista : pratica o comércio de vinho a granel ou engarrafado ”; “ Negociante sem estabelecimento : compra e vende vinhos engarrafados sem dispor de instalações para a sua armazenagem ” ( aqui caberiam muitas das marcas de nicho hoje reverenciadas em restaurantes da moda …); “ Produtor : produz vinho a partir de uvas obtidas na sua exploração ou compradas ” ( aqui se insere a esmagadora maioria das empresas nacionais ); “ Vitivinicultor-engarrafador : elabora vinho a partir de uvas produzidas exclusivamente na sua exploração vitícola ” ( é o que , em França , se chama “ vigneron ”). As empresas podem inscrever-se em mais do que uma categoria , mas a lei determina que a inscrição como vitivinicultor-engarrafador é incompatível com a inscrição como armazenista ou como produtor . Ou seja , é o que tem as mãos “ atadas ”, sem vantagens óbvias . Ao contrário do que , até junho de 2019 , era obrigatório colocar nas cápsulas de todos vinhos franceses ( R de “ recoltant ” ou N de “ negociant ”) e que ainda hoje se mantém em diversas AOC , como Champagne ( aqui até de forma bem mais rigorosa ), em Portugal essa obrigatoriedade nunca existiu . Resultado : os poucos “ vigneron ” que ainda existem entre nós vão fazendo contas à vida e percebendo que não compensa insistir nesse ideal romântico , mas pouco rentável , de usar só as uvas que criam . São vinhos melhores do que os outros ? Não necessariamente . Mas num mercado que , tantas vezes , paga irracionalmente a diferença , esta é uma diferença que merece ser paga .

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