editorial
Um jantar de amigos cujos vinhos me fazem reflectir , pela enésima vez , sobre a eterna questão do poder versus elegância . A sensação de dejá vu ( ou melhor , “ dejá escrito ”) que me transporta a um editorial de há quase duas décadas . E a conclusão de que , por muito que as tendências vínicas vão mudando , na hora de “ fazer figura ”, o tipo de vinho que escolhemos não muda tanto assim .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com
O que ( realmente ) bebemos
F açamos o seguinte exercício . Perguntemos às amigas e amigos que entendem e apreciam vinhos de qualidade , qual a garrafa que levavam para a ( inevitável ) ilha deserta . Aposto que as respostas irão : primeiro , privilegiar os vinhos brancos ; segundo , Borgonha e Champagne à cabeça , ou talvez ( os mais patriotas ) Dão Encruzado ou Monção e Melgaço Alvarinho ou Pico Verdelho . Muito poucos irão referir um tinto do Alentejo ou do Douro , um Bordéus ou Barolo clássicos , ou mesmo um Porto Vintage . Coloquemos então a questão de outra forma , mais directa : qual o perfil de vinho que mais apreciam ? Garanto que 99 % dos apreciadores inquiridos irão apontar para a santíssima trindade dos atributos vínicos : leveza , elegância , frescura . Agora deixemo-nos de exercícios e passemos à realidade . Cenário : um lauto jantar entre cinco amigos , na casa de um deles , onde foi pedido a cada um que levasse uma garrafa . Atenção , não se escolhe uma garrafa qualquer para um jantar entre gente que sabe de vinho . É preciso algo que não se beba todos os dias , que impressione , que nos permita sair no final com a sensação , mesmo que enganadora , de que o “ vinho da noite ” foi o nosso . Então , dito isto , e depois dos espumantes / champagnes de entrada , que vinhos estiveram na mesa ? Um branco “ vin jaune ” de Jura invulgarmente bom ( pelo menos para mim , que não sou fã da região ) e quatro tintos , todos eles de elevadíssimo nível : um Rioja “ moderno ”, um “ super toscano ”, um Toro “ tradicional ” e um Bairrada “ clássico ”. O que estes vinhos tinham em comum ? Ainda que a nenhum faltasse frescura e alguns manifestassem mesmo uma certa elegância , nenhum deles encaixava propriamente no estereotipo de “ leve , elegante e fresco ”. Onde é que eu quero chegar com tudo isto ? Apenas salientar que , apesar de em nossas casas ( e falo por mim ), preferirmos beber vinhos mais leves no álcool e mais vivos na acidez , quando queremos mesmo impressionar , arrasar a “ concorrência ”, mandamos o vinicamente correcto às malvas e vamos buscar a artilharia pesada . E isto , note-se , entre pessoas que têm acesso a vinhos ultra premium . Se olharmos para o que bebe a esmagadora maioria dos consumidores do mundo , consumidores comuns que não têm de “ esnobar ” ( deliciosa expressão brasileira !) ninguém , a cor , a concentração , a opulência e , em muitos casos , o álcool , são os maiores atributos . Então , em que ficamos ? Poder ou elegância ? Respondo com um excerto de um editorial que escrevi no longínquo ano de 2002 . “ Quem possui algum interesse pelos grandes vinhos do mundo , já provavelmente ouviu falar na dicotomia ‘ Bordéus-Borgonha ’, como exemplo de dois estilos de vinho completamente opostos : de um lado o poder e a concentração , do outro lado a elegância e a finura . Normalmente , os apreciadores procuram colocar-se de um lado ou do outro , defendendo a sua ‘ dama ’ com diversos tipos de argumentos . É uma discussão fútil , quanto a mim , porque o poder e a elegância não são incompatíveis . Ou seja , o grande vinho é quase sempre , ao mesmo tempo , poderoso e elegante .“ Já agora , para aquele jantar , fui eu que levei o Bairrada clássico . O vinho , Baga de vinhas velhas , tem 14,5 % de álcool , garra , tanino , acidez , muito sabor e frescura . A elegância também virá , com o tempo em cave . E , claro , em minha opinião , como não podia deixar de ser , foi o vinho da noite .
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