editorial
Lisboa vestida de branco
Não , infelizmente , o título não anuncia a cidade de Lisboa sob um manto de neve . Parece que esse fenómeno raro aconteceu pela última vez em janeiro de 2006 e , antes disso , mais a sério , em fevereiro de 1954 . Falo sim de grandes vinhos brancos da região de Lisboa . Que , felizmente , e ao contrário da neve , não se revestem de nenhuma raridade . Pelo contrário , são cada vez mais e melhores .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com
Brancos de Lisboa é o tema da Grande Prova que este mês apresentamos aos nossos leitores , pela pena de Nuno de Oliveira Garcia . Se há região portuguesa que , pelo menos em teoria , tem tudo para nos presentear com vinhos brancos de primeira linha , essa é a região de Lisboa . Razões para isso , são muitas . Desde logo , históricas . Integrada na área vitivinícola de Lisboa está a única denominação de origem nacional exclusiva para vinhos brancos , Bucelas . Já para não falar de outra das mais antigas DOC ’ s portuguesas , Colares , que ainda que mais famosa pelos tintos não deixa os pergaminhos dos seus brancos ( como se viu nesta prova ) por mãos alheias . Mas existem , igualmente , razões climáticas por trás do “ potencial branco ” desta região . A sua configuração geográfica , uma faixa estreita que se estende desde a cidade capital até acima de Leiria , correndo ao longo do oceano atlântico , beneficiando assim de noites e manhãs frescas no verão , é propícia à criação de uvas com refrescante acidez . E todos sabemos que acidez equilibrada é factor decisivo para a elaboração de vinhos brancos de qualidade superior . Chegado a este ponto , quem lê estas linhas está à espera que fale de castas . Lá chegarei . Antes , quero mencionar um outro elemento , frequentemente esquecido quando se elencam as virtudes de uma qualquer região , e que está na base da “ revolução ” ocorrida nos vinhos brancos de Lisboa : as pessoas . Pessoas que , na região de Lisboa , são sinónimo de empreendedorismo . Desde os finais do século XIX até aos tempos modernos , produtores e negociantes locais , como os pioneiros João Camillo Alves e Abel Pereira da Fonseca , sempre estiveram em absoluta sintonia com o mercado , ou melhor , os mercados , antecipando-se às necessidades do consumidor daquém e dalém mar . E quando o consumidor , hoje , também quer brancos de topo , Lisboa está a postos para os oferecer . Falemos então das variedades de uva branca . O empreendedorismo que acabei de referir fez da região de Lisboa um caldeirão de experimentação “ cozinhado ” por grandes profissionais , onde o pragmatismo prevaleceu sobre a tradição , e onde , historicamente , sempre se plantaram as castas mais adequadas aos objectivos , definidos pelo mercado alvo num dado momento . Das muitas actualmente usadas , deixem-me abordar apenas as duas variedades que , por razões distintas , considero mais significativas para o futuro próximo dos melhores brancos de Lisboa . Primeiro , naturalmente , Arinto . Uma casta que atravessou épocas e gerações , sobrevivendo aos ventos de mudança . Acantonada no seu berço , em Bucelas , pôde de novo expandir-se quando a procura de qualidade se sobrepôs ao apelo da quantidade , transformando-se em bandeira regional . A sua inigualável plasticidade , adaptabilidade e polivalência torna-a , para mim , na melhor casta branca portuguesa . Durante décadas lamentei que em Lisboa , e sobretudo em Bucelas , não lhe dessem a atenção que merece . Hoje , finalmente , e apesar do muito ainda por explorar nesta uva preciosa , as minhas preces vínicas parecem ter sido ouvidas . Depois , uma casta que veio do Douro para iluminar Lisboa , a Viosinho . De agradável surpresa a segura confirmação , mostrou nos frescos ares atlânticos qualidades insuspeitas no vale duriense , sobretudo ao nível da intensidade , elegância , equilíbrio ácido e , pasme-se , longevidade . Vai ser , seguramente , um esteio transversal aos brancos de topo produzidos nesta região . História , clima , empreendedorismo , castas . Por esta ou outra ordem , são a base dos mais ambiciosos vinhos brancos de Lisboa . E que bons que eles são !
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