editorial
Red line
Figurativamente , a linha vermelha representa uma fronteira , uma demarcação , um limite . Ultrapassada essa linha , existem sempre consequências , e normalmente não são boas . No entanto , muitas das mais geniais obras da humanidade derivaram precisamente da capacidade de arriscar , de caminhar sobre a linha vermelha . E no vinho não é diferente .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com
Gosto das pessoas e das coisas que são diferentes , quando são boas . Prefiro , de muito longe , algo diferente e bom do que algo apenas bom . A diferença mexe comigo , faz-me pensar , questiona-me , desafia-me . Isto é válido para tudo , da pintura ao futebol , da literatura aos comportamentos sociais , da comida ao vinho . Porém , é impossível fazer a diferença sem correr riscos . A segurança está , sem dúvida , na base da eficácia e até , admito , da perfeição . Mas dificilmente é um caminho para a singularidade . Tenho por isso uma admiração sem limites por aqueles que arriscam e que , na sua vida ou na sua actividade , caminham na chamada red line . É uma linha muito fina , onde é extremamente difícil manter o equilíbrio . Um passo em falso , e o que podia ser brilhante transforma-se numa coisa sem préstimo . Deixem-me puxar pela minha paixão futebolística para fazer uma analogia com dois jogadores de vanguarda , Zlatan Ibrahimovic , sueco de ascendência bósnia e croata , e Mario Balotelli , italiano de ascendência ganesa . Dois egos do tamanho do mundo , ao ponto de um e outro , frequentemente , se compararem a deuses . Dois talentos extraordinários com a bola , duas personalidades complexas , no limite do risco na sua vida pessoal e profissional . Zlatan sempre caminhou na red line , deslizando na borda do precipício . Aos 39 anos , joga no Milan ( equipa que lidera o campeonato italiano ) e ainda esta época já marcou por cinco vezes dois golos numa partida . Mario , que tinha tudo para chegar ao mesmo nível e jogou nas melhores equipas do mundo , foi expulso de quase todas por comportamentos inaceitáveis recorrentes e , aos 30 anos , joga ( até ver …) no Monza , segunda divisão italiana . Uma última analogia , esta vinda da experiência pessoal : todos os que fazem ou fizeram competição automóvel sabem que , para ambicionar resultados , é preciso arriscar e andar muitas vezes na faixa vermelha do conta rotações . Mas também conhecem as consequências de um motor partido … Tudo isto para , finalmente , falar de vinho . Cada vez aprecio mais vinhos diferenciadores , vinhos que me surpreendem com aromas e sabores que fogem do habitual . Para os fazer , é preciso arriscar , é necessário assumir um certo descontrolo controlado . Ao contrário do que muitos pensam e dizem , a menor utilização de produtos químicos nas videiras e nas cubas , que eu defendo em absoluto , deve corresponder sempre a uma muito maior intervenção física na vinha e na adega . A chamada “ enologia de não intervenção ou intervenção mínima ”, é uma irresponsabilidade que conduz , quase inevitavelmente , a maus vinhos . Só quem sabe muito de viticultura e enologia se pode dar ao luxo de abdicar da segurança e correr riscos . Mas só correndo riscos se criam vinhos que nos seduzem e impressionam pela sua qualidade , originalidade , personalidade . E mesmo com todo o conhecimento , talento e atenção , quem caminha na linha vermelha sabe que , por vezes , as coisas correm mal . Aí há que admitir o falhanço , descartar o vinho , e tentar de novo . Andar na red line não é para todos . Uns são Zlatan . Outros , Mario .
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