editorial
O Douro das vinhas velhas
A chamadas “ vinhas velhas ” do Douro constituem elemento de notoriedade e qualidade que muitos dos melhores e mais conceituados vinhos da região partilham , um denominador comum , portanto . Mas nem sempre nos damos conta que essas mesmas vinhas são também aquilo que , primeiramente , os diferencia , definindo a sua singularidade e identidade .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com
A região do Douro foi a primeira a colocar ordem no uso da designação “ vinhas velhas ” na rotulagem , corrigindo um verdadeiro escândalo de publicidade enganosa . Em dezembro de 2020 , o IVDP criou a menção tradicional “ Vinhas Velhas ”, regulamentando-a . Desde então , em traços muito gerais , para colocar o designativo na rotulagem , um produtor deverá cumprir as seguintes condições : a vinha ter mais de 40 anos de idade ( avaliada pela idade média das videiras mais velhas da parcela ); o rendimento por hectare não exceder 50 % do máximo fixado anualmente para DOC Douro ; a vinha ter , pelo menos 5.000 cepas por hectare ( com tolerância de 30 % para falhas – videiras mortas – e excepção das parcelas com armação pré-filoxérica , com menor densidade ); apresentar um mínimo de 4 castas , com 3 delas a representar um mínimo de 25 % do total ; e o vinho proveniente destas vinhas ser aprovado na câmara de provadores do IVDP com nota mínima de nível 2 ( equivalente a Reserva ). Para além destes requisitos , o viticultor tem a obrigatoriedade de comunicar anualmente todas as alterações verificadas nestas parcelas , nomeadamente replantações ou reenxertias . A meu ver , dever-se-ia ter ido mais longe , nomeadamente na nota mínima ( passar a nível 3 , equivalente a Grande Reserva , seria sensato ), na idade ( para a realidade vitícola do Douro , 40 anos é curto ) e no número mínimo de castas existente no “ field blend ”. Mas este já foi um passo bastante significativo que veio acabar com grande parte do abuso . Um abuso que , curiosamente , só existe porque o consumidor associa , quase como sinónimos , “ vinha velha ” e qualidade acrescida . Algo que está muito longe de corresponder à realidade . Na verdade , o que mais há no Douro são vinhas velhas de má qualidade : mal localizadas , mal tratadas , com predominância de castas de fraco valor enológico . Mas , nos casos em que “ os astros se conjugam ”, a vinha velha oferece qualidade e carácter inigualáveis . Os motivos são vários e conhecidos , mas aqui elenco , de forma muito simplista , os principais : inexistência de rega , originando um stress hídrico benéfico ; raízes profundas , que absorvem outro tipo de nutrientes e minerais ; produção muito menor , conduzindo a mais concentração em cada cacho ; muitas décadas de adaptação de cada cepa ao solo , ao clima , à exposição solar – a videira “ conhece ” o território onde está ; maior resiliência a condições climatéricas adversas ; colheita e fermentação das castas misturadas , em diferentes fases de maturação , originando maior complexidade de aromas e sabores . No entanto , bem mais do que a qualidade ( uma vinha velha com 30 castas não produz obrigatoriamente melhor vinho do que uma vinha com 20 anos de idade e Touriga Franca , Touriga Nacional e Tinto Cão , por exemplo ), o que me fascina nas vinhas antigas do Douro é a sua singularidade . A diversidade de “ field blends ” que encontramos num conjunto de parcelas dispersas , com 60 ou mais anos , é absolutamente incrível , variando imenso o número de castas , suas percentagens e até a casta predominante . O resultado são vinhos imensamente distintos uns dos outros , cada um expressando a identidade da vinha onde nasceu . Juntemos a isto os vinhos de vinhas “ modernas ” e obtemos uma pintura duriense multicolor . A prova de Douro tinto de topo que faz capa desta edição espelha tudo o que acima descrevi . Manoella , Vale Meão , Poeira , Quinta Nova , Duorum , Boavista , Noval , Xisto , Vale D . Maria , Leda e tantos , tantos outros , só possuem em comum duas coisas : a origem geográfica ( que se traduz em alguns marcadores de aroma e sabor que nos remetem para uma dada região ) e a excelência do vinho . Em tudo o resto são diferentes . E esse é o maior elogio que se pode fazer ao Douro de hoje .
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