editorial
A Bairrada do espumante
Mais do que uma região onde tradicionalmente se produz espumante , a Bairrada é uma região onde o espumante faz parte da tradição . Parecendo a mesma coisa , é bem diferente . No primeiro caso , envolve apenas os produtores ; no segundo , todos , produtores e população , vivem a cultura do espumante .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com uando , em 1890 , José Maria Tavares da Silva levou a cabo as primeiras experiências de espumantização na então chamada Escola Prática de Viticultura e Pomologia , em Anadia , estaria longe de pensar o efeito transformador que o seu trabalho traria para a região da Bairrada . A apresentação oficial dos seus espumantes , em 1891 , desencadearia um processo de industrialização que daria o primeiro passo em 1893 com a criação da Associação Vinícola da Bairrada ( produtora do apelidado “ Champagne Portuguez ”) e teria a sua explosão a partir dos anos 20 do século seguinte , com o nascimento de dezenas de “ Caves ”. Na década de 60 , as Caves davam trabalho a uma boa parte da população local e contribuíam para o sustento de milhares de pessoas : praticamente todas as famílias acumulavam um emprego ( na indústria metalomecânica ou cerâmica , sobretudo ) com o amanho de uma ou mais parcelas de vinha , entregando as uvas nas adegas cooperativas ( que depois vendiam o vinho às Caves ) ou fazendo os vinhos nas suas adegas caseiras , onde os compradores das Caves os iam depois escolher e adquirir . Quando visitei pela primeira vez a Bairrada do vinho , no início de 1990 , o espumante era um produto comum a todos os agentes económicos da fileira , grandes e pequenos . Ao mudar-me de Lisboa para Sangalhos , em 1995 , reparei que a cultura do espumante era transversal a toda a população , mesmo a que nada tinha a ver com a produção de vinho : qualquer casa que visitasse me recebia com “ uma tacinha de espumante ”. E em qualquer refeição , a garrafa de espumante estava presente , do início ao fim . Só aí entendi que a região da Bairrada , e não apenas os profissionais do vinho , sentia e vivia espumante , numa interiorização cultural da bebida por parte das gentes locais que só encontrei paralelo em Champagne e , em menor grau , em algumas vilas da Catalunha . De então para cá , algumas coisas mudaram . Nos anos 90 , a produção de espumantes em Portugal estava quase totalmente centrada em dois grandes núcleos : Lamego e Távora-Varosa ( com Raposeira e Murganheira ) e a Bairrada , com as suas Caves . Hoje , são centenas os produtores de vinho nacionais , desde o Vinho Verde ao Algarve , que fazem também um espumante como complemento de gama . Ainda que , na sua esmagadora maioria , os novos produtores recorram a diversos “ facilitismos ” e dispensem , entre outras , três práticas que fazem a diferença entre um bom espumante e um grande espumante : leveduras livres , espumantização / estágio a temperatura baixa e constante e , sobretudo , largo tempo em garrafa sobre as borras da segunda fermentação . O genuíno método clássico ( outrora chamado , não por acaso , “ método champanhês ”), como sabemos , não abdica de nada disto . Mas esse é tema para outra conversa . Interessante é que , apesar da dispersão geográfica da sua produção , ainda hoje , 60 % do vinho espumante produzido em Portugal é feito entre Coimbra e Aveiro . Deste , cerca de metade obtém a certificação Bairrada ou IG Beira Atlântico , e foi uma amostra desse universo que provei para esta edição da Grandes Escolhas . Preservando o estilo de cada casa e o carácter das castas utilizadas , a qualidade geral dos espumantes da região é notável . Segredo , não existe . Ou , se quisermos , são muitos : clima , solos , castas , história , caves , conhecimento técnico , cultura , tempo . É tudo isso e muito mais que faz da Bairrada uma grande região de espumantes . A Bairrada , na verdade , respira espumante . Afinal de contas , sempre são 130 anos disto .
GRANDESESCOLHAS . COM | 2