editorial Elogio da Castelão
Dois eventos com o mesmo denominador comum , num curto espaço temporal , trouxeram-me ao copo e à mente uma variedade de uva com a qual tenho convivido de perto desde o início da minha carreira : Castelão . Uma casta outrora dominante , depois caída em desgraça , e que ainda hoje , apesar de tímidas tentativas de reabilitação , está longe de ser consensual .
luis lopes
luislopes @ grandesescolhas . com
No passado mês de julho tive dois encontros marcantes com a Castelão como protagonista . Primeiro , levei para um almoço muito especial , onde só são admitidos vinhos de idade avançada , um conjunto de preciosidades da minha garrafeira , brancos e tintos , entre eles um Periquita 1986 . Desgraçadamente , dos 14 vinhos diferentes que abri nessa manhã , era o único com gosto a rolha . Odeio quando isso acontece com um vinho velho , considero quase uma ofensa pessoal e uma desconsideração pelo tempo e carinho que dediquei à garrafa em questão . Por isso , como sabia ter ainda uma outra garrafa em casa , arranjei pretexto para a abrir dois dias mais tarde : estava sublime , firme , complexo , com tanino ainda presente e fantástico equilíbrio de acidez . O blend não podia ser mais original e retrata uma época e um local : Castelão , em larga maioria , com Monvédre e Espadeiro . O segundo momento Castelão teve a ver com uma muito interessante prova organizada pela CVR do Tejo ( ver página 34 ). Com vinhos velhos e novos , a iniciativa visou reavivar esta casta clássica regional , junto dos produtores locais e dos apreciadores . Houve tempos , não muito longínquos , em que a Castelão era a casta tinta mais plantada em Portugal . Quando Jorge Bohm escreveu , em 2005 , o seu “ O Grande Livro das Castas ” ( obra de consulta obrigatória ) já tinha deixado de o ser , perdendo a posição para a Tinta Roriz / Aragonez . Desde então foram raríssimas as novas plantações de Castelão . Ao invés , milhares de hectares desta casta foram substituídos por Syrah , Touriga Nacional ou Alicante Bouschet . Em 1995 , a Castelão ainda era a primeira ou segunda casta tinta em algumas sub- -regiões do Alentejo , como Redondo , Borba e Reguengos . Há muito que deixou os lugares cimeiros , e embora continue presente em vários vinhos de entrada de gama , quase ninguém a usa nos lotes mais ambiciosos . Nas vinhas antigas de sequeiro , porém , ainda permanece , contribuindo com o seu perfume e elegância para a elaboração de alguns tintos marcantes , como o Sem Vergonha de Susana Esteban , um estreme de Castelão . No Tejo , mantém-se a tinta mais plantada , com 1.500 hectares , e está presente na maioria dos lotes regionais . Porém , há apenas dois ou três os tintos 100 % Castelão . Mas existem sinais positivos vindos de casas como Companhia das Lezírias ou Quinta da Alorna . Esta última irá lançar em breve , um belíssimo Castelão 2017 de uma só parcela . Junto do apreciador , no entanto , o “ solar ” do Castelão está hoje claramente identificado com a Península de Setúbal ( onde , curiosamente , a casta chegou vinda do Tejo ) e em particular com os solos pobres e arenosos de Palmela . Ali encontramos diversas vinhas de sequeiro que são a base de quase duas dezenas de vinhos de Castelão , entre eles alguns de topo , que se destacam pela textura , elegância e potencial de longevidade . Segundo a CVR local , estão certificados e cadastrados 5.273 hectares de castas tintas , dos quais 3.255 ha de Castelão , um verdadeiro tesouro para quem o saiba usar . Como já perceberam depois de toda esta conversa , gosto de Castelão . Tenho-a como uma variedade versátil ( espumantes blanc de noirs , rosés , tintos ) que pode originar vinhos que primam , não pela cor e pela potência , mas pela qualidade da fruta , pelo equilíbrio de acidez , pela finura . Apesar de ser utilizada sobretudo para esse fim , não é a fazer tintos bons e baratos que mostra o que vale , outras cumprirão melhor essa tarefa . Acredito que , se for bem tratada na vinha e na adega , pode tornar-se em mais uma daquelas pérolas do património vitícola nacional que , de quando em vez , resgatamos do baú do esquecimento para brilhar resplandecente e fazer toda a diferença .
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