editorial
Um vinho à procura
de si próprio
O rosé, mais do que
qualquer outro tipo de
vinho, mostra bem a
volatilidade das modas e
dos estilos. Basta atentar
no que tem sido o seu
percurso ao longo dos
últimos anos. O que hoje é
verdade, amanhã é mentira,
o que agora está in, daqui
a pouco está out. Cor clara
ou escura? “Bica aberta”
ou “sangria”? Levemente
doce ou absolutamente
seco? Inox ou madeira? A
expressão “à vontade do
freguês” nunca fez tanto
sentido.
luis lopes
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Recuemos vinte anos, não é preciso mais. Até aí, tudo era simples,
claro, objectivo, no panorama dos rosés nacionais. Havia o Mateus,
o Lancers, o Casal Mendes e mais alguns outros, o perfil estava perfeitamente
definido – leve, frutado, com pouco álcool, algum gás e
uma boa dose de açúcar para equilibrar a viva acidez - e os rosés de
Portugal vendiam muitos contentores, na exportação, claro, que por
cá era visto como “vinho de senhoras” e de estrangeiros.
Depois, a pouco e pouco, o rosé foi timidamente abrindo caminho no mercado nacional,
dando um salto enorme na última década com a explosão do turismo. O turista
trouxe com ele, numa primeira fase, um aumento da procura interna do modelo “frutado
e doce”, mas logo a seguir, o visitante mais viajado e endinheirado passou a pedir
o chamado “rosé tipo Provence”, caracterizado pela cor rosada muito clara. O Algarve
do sol, praia e restaurantes transformou-se num importante mercado de rosé, os vendedores
que fazem essa região começaram a exigir aos produtores o rosé clarinho e a
cor tornou-se no principal elemento para definir o perfil do vinho: rosa escuro/clássico
(outra palavra para “antiquado” no mundo rosado) ou rosa claro/moderno. Ainda os
enólogos não estavam refeitos das dores de cabeça que tiveram para afinar a cor pretendida
pela equipa de vendas, já começavam a chegar outras orientações: aquele quer
mais seco, este quer mais doce, um cliente diz que rosé de sangria é feito de restos,
outro só quer bica aberta. Como resultado, produtores há que experimentaram tudo e
mais alguma coisa até assentarem no estilo (supostamente) “certo” para o seu rosé.
Depois dos rosés “comerciais”, chegaram aos vinhos mais ambiciosos. Objectivo: através
de castas menos comuns (Pinot Noir virou um must have), vinificação (fermentação
em barrica à cabeça) ou embalagem, oferecer um produto de preço superior e com
maior percepção de requinte. Como quase sempre acontece, na busca da diferença
extremam-se posições/perfis: de um lado, rosés praticamente sem cor e com muito
pouco álcool; do outro, rosés ostensivamente corados, tipo claretes, e com álcool elevado.
Por vezes, um mix dos dois, bem clarinho e com 14%...
Neste ponto do texto, e para evitar que se pense que não gosto de rosés, devo dizer que
sou um fã. Conheço muito pouca gente que beba rosé em tantas ocasiões quanto eu.
Há uma dezena de anos, li uma crónica de um conhecido jornalista britânico que dizia
algo como: “não há nada que um rosé faça, que um branco ou tinto não faça melhor”.
Se se referia à excelência absoluta, mesmo que contrariado, tenho de lhe dar razão.
Claro que há rosés muitíssimo bons (nesta edição da Grandes Escolhas provámos vários)
mas com excepção de Champagne, não vejo este vinho atingir, globalmente, o
mesmo nível de sofisticação, complexidade, longevidade, de um grande branco ou tinto.
(Antes de alguém levantar a espada em defesa da honra dos rosados, por favor,
compare o número de garrafas de branco, tinto e rosé que tem em casa...)
Mas será que o rosé precisa mesmo desse estatuto de excelência para ter sucesso? Há
imensas situações em que um rosé me sabe melhor e se mostra mais adequado do que
um branco ou um tinto. Ainda há pouco tempo, num almoço com 8 amigos, só bebemos
rosés, portugueses e franceses (já agora, os nossos eram bem melhores, apesar dos
nomes consagrados de Provence).
Acredito que, mais do que qualquer outro tipo de vinho, o rosé é um vinho de momentos,
lugares, pessoas. E é por isso que a busca do rosé “certo” é uma quimera. Qual o
rosé de que mais gosto? Geralmente, prefiro rosés secos, com álcool médio/baixo e
acidez elevada, aprecio corpo e sabor, e a intensidade da cor é-me completamente indiferente.
Mas tem dias…
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