Umbanda Saravá Set. 2019 | Page 42

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: Alê, como você mesmo já falou em outras oportunidades, a obra Pombagira, a Deusa transformou sua consciência. Como era você antes de conhecer a Deusa e como você ficou depois de conhecê-la? O que mudou na sua vida?

encontro das necessidades de quem não tem os mesmos privilégios que eu. Então a minha consciência, hoje, diz que aquele que tem privilégios, se não faz nenhum movimento, no mínimo movimento de fala, de consciência, em prol de quem não tem os mesmos privilégios já é uma forma passiva. Então a gente pode colocar um machismo passivo quando você não tem um movimento em prol da mulher; um racismo passivo quando você não participa de uma consciência, de uma conscientização da questão da negra e do negro. E, também, uma homofobia passiva quando você não incentiva, quando você não colabora, quando você não tem um olhar de carinho ou de afeto pra quem está passando tanta dificuldade pra fazer valer as suas questões de identidade de gênero. Ninguém muda do dia pra noite e eu estou nesse processo de conscientização, de aprendizado, de fala, de entendimento e estou, inclusive, procurando um discurso, que seja, menos agressivo. Por quê? Quando a gente se dá conta, a vontade é gritar. E quando a gente grita, esse grito muito alto, as pessoas se sentem agredidas, não é? E é isso...

É mostrar que tudo bem, você é machista, eu não estou te agredindo, eu só quero te mostrar uma consciência! Você é racista, eu não quero te agredir, mas quero mostrar uma consciência! As pessoas não acreditam que elas são homofóbicas, racistas. Elas se defendem dizendo “eu até tenho um amigo gay! Eu até tenho uma amiga negra! Até tenho mulher...” (risos).

Então, é triste essa situação! E aqui na Umbanda, tem um agravante, né?

Porque as pessoas têm esse discursinho, morno, de paz, de amor, de caridade, de cristão... e não vê que, no fundo está se omitindo de uma sociedade desigual, uma sociedade colonialista, machista, sexista, misógina, racista! Uma sociedade homofóbica! E a grande maioria que está no conforto da sua casa ou com o aluguel pago, ou com a casa paga, que tem comida na mesa e se sente confortável por não estar sendo agredido, a grande maioria está numa situação muito cômoda, numa zona de conforto e não quer sair!

Eu represento a pessoa que tem tudo pra estar na zona de conforto. Porque eu sou homem, eu sou branco, além de branco, ainda tenho olho azul! Olha lá!

Então eu faço parte desse grupo, considerado um grupo que está ali, aonde é a área de maior privilégio da sociedade. Se eu posso, então todo mundo pode. E é isso que me anima, mas ao mesmo tempo em que me anima, ainda é tudo muito novo, então eu também estou procurando entender o que é isso dentro de mim, o que é isso fora de mim. O que é isso nesse universo dentro e fora da Umbanda, por que na Umbanda é pior ainda. Quando a pessoa que a gente está falando... A gente falou da mulher, falou do negro, do homossexual, do trans, mas também tem a questão do índio, tem a questão da natureza, tem a questão do nordestino quando chega aqui na Região Sul do País, tem a questão da oriental. Então tem muitas outras questões pra gente olhar, né, tem as questões também das pessoas que têm algum tipo de deficiência ou de algo que as tornem especiais. Então, são todas essas questões que agora vêm à tona e que a gente se pergunta, né?

Como bater cabeça pro Caboclo e não bater pro índio? Como bater cabeça pro Preto Velho e não bater pro negro velho? Como não enxergar o diferente, o outro, e ainda ser umbandista e manter esse discurso de caridade, sem um olhar amoroso pro diferente? Olhar amoroso que tenha um posicionamento ativo.

Porque as pessoas não são iguais, então não adianta tratar como igual. A partir do momento que há desigualdade, a gente deve ter um cuidado de equidade. E eu busco esse olhar de equidade, que é quando trata os desiguais de uma maneira desigual, a fim de equilibrar, e também de alteridade, que é respeitar o outro absolutamente do jeito que ele é. Sem nem se colocar no lugar, por que eu no lugar do outro não sou o outro. Então: equidade, alteridade e amor. Respeito é o mínimo. É o mínimo que se espera!

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: No livro da Deusa, já no capítulo 16, você fala muito sobre a questão de homens com a Pombagira. Mas nem todos os homens verão com bons olhos a questão da incorporação da Pombagira. Afinal, nossa sociedade ainda está extremamente arraigada nas questões dos valores sociais e morais! Como você pensa em lidar com isso, principalmente dentro do seu terreiro?

ALÊ CUMINO: Eu não sei ainda, acho que quem vai lidar com isso é a Maria Preta (Pombagira e mentora espiritual do Alexandre). Aliás, acho que ela já começou a lidar com isso, quando ela tomou a minha frente. Então, nesse momento, a Pombagira, a mulher, né? Porque a Maria Preta, ela quase não se enquadra de ser só uma Pombagira. Ela já falou que é Pombagira, que é Baiana. Falou que ela é Malandra (risos), que ela é Mestra da Jurema, que ela é tudo, né? Então, ela que também é uma Pombagira, tomou minha frente! A partir desse momento, é ela quem vai me mostrar esse caminho. A gente tem os grupos de desenvolvimento mediúnico, e no desenvolvimento a gente vem trabalhando bem essa questão de chamar as Pombagiras para homens e os Exus para as mulheres e vice-versa. Depois, uma coisa que inclusive foi falado aqui, que não é só a Pombagira no homem e o Exu na mulher, né, também tem a Negra Velha, também tem a Índia, tem a Malandra, a Boiadeira, a Marinheira que também estão aí pra incorporar em homens e mulheres e vice-versa, né?

Então, até onde a gente está tão preso nessa questão de gênero. Talvez, da minha parte, conscientizar as pessoas para se libertar um pouco dessa questão de gênero que é uma construção social, uma construção do que é e como se comporta a mulher ou do que é e como se comporta o homem, e que libertar-se disso é uma grande oportunidade de aprender com o diferente. Foi a Maria Preta que falou “o maior aprendizado que a gente tem é com quem mais é diferente de nós. E o mais diferente começa por aquele que é do outro gênero. Esse é o mais diferente. Então, o maior aprendizado do homem está com a mulher, o maior aprendizado da mulher está com o homem e aqueles que transcendem a questão binária de homem-mulher, também estão aí para ensinar e aprender. Todo mundo junto.”

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: A partir desta obra sobre a Deusa Pombagira, o que podemos esperar das suas próximas ou da próxima publicação? Você pretende continuar explorando, ensinando e aprendendo sobre os assuntos abordados neste livro?

ALÊ CUMINO: Eu sinto a urgência de um título sobre a consciência umbandista. A gente tem um Dia da Consciência Negra, porque todo dia devia de ser da consciência negra, mas não é. A gente tem um Dia do Índio, porque todo dia tinha que ser do índio, mas não é. Todo dia é dia de branco, né? Inclusive as pessoas costumam dizer isso, né, vamos embora, vamos descansar, porque amanhã é dia de branco!

Então, quando é o dia do negro? Quando é o dia do índio? Quando é o dia da criança, quando é o dia do velho? Quando é o dia do nordestino, quando é o dia da consciência que possa englobar e alcançar todas essas consciências?

E eu não posso dizer com certeza que esse é o próximo livro. Mas eu posso dizer que eu sinto a urgência de uma consciência umbandista. Pode ser que seja o próximo livro. Porque eu não tenho certeza, porque agora eu só escrevo se a Maria Preta ou, dessa minha família espiritual, alguém, da mesma maneira que ela fez no livro da Pombagira, tomar a frente. Que é outro tipo de abordagem, outro tipo de olhar, que vai muito além do meu. E quando isso acontece, igual aconteceu no livro da Deusa, o resultado que a gente tem é muito além, muito superior do que seria eu falando. Porque eu falando sozinho é praticamente uma fala medíocre quando comparado a o que está acontecendo agora, com a fala da Preta.

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: Durante o processo de criação deste livro você leu vários títulos sobre o feminismo negro. Você poderia indicar aos leitores da revista pelo menos cinco obras sobre este tema, que te ajudou durante suas pesquisas?

ALÊ CUMINO: Sim! O primeiro é Bell Hooks, O feminismo é para todo mundo, editora Rosa dos Tempos;

O segundo é Chimamanda Ngozi Adichie, Sejamos todos feministas, Companhia das Letras;

O terceiro é Djamila Ribeiro, O lugar de fala, Pólen Livros;

O quarto também é Djamila Ribeiro, Quem tem medo do feminismo negro, Companhia das Letras;

E o quinto é Sueli Carneiro, Escritos de uma vida, editora Letramento.

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: O livro Pombagira, a Deusa – mulher igual você é um livro de muita reflexão, que literalmente muda nosso olhar perante a sociedade. Você planejava fazer algo assim desde o início?

ALÊ CUMINO: Eu não pretendia, e eu não tinha a menor ideia que o livro teria essa pegada. Porque eu mesmo não imaginava o que ia acontecer comigo. Então, antes que o livro tivesse essa abordagem para a sociedade, ele teve comigo. E eu costumo dizer que eu achava que estava gerando um livro, mas o livro é que estava gerando um novo eu. E é isso que aconteceu! Eu não tinha nenhuma ideia que isso ia acontecer dessa maneira!

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: Você sofreu algum tipo de ataque pelo fato dessa nova consciência?

ALÊ CUMINO: Eu sofri, eu não sei nem se posso chamar isso de ataque, mas eu percebi uma crítica desavisada de pessoas que não alcançaram esse tipo de consciência, que a gente vê no livro, e tenho a percepção de que eu também não tinha essa consciência, um tempo atrás. É, também, muito oportuno observar o quanto as pessoas se sentem à vontade para criticar aquilo que elas nem sabem o que é.

Quando eu percebo que é uma crítica sistemática, de uma pessoa que está sempre esperando uma brecha, só para criticar, só pra apontar o dedo, só pra tentar diminuir o trabalho alheio, eu simplesmente excluo e bloqueio! Só isso!

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: O livro Exu não é Diabo é um sucesso em vendas da Madras Editora. O que você espera, qual é a sua expectativa em relação ao livro da Deusa?

ALÊ CUMINO: A Cláudia Alexandre fez o prefácio para o livro da Deusa, Pombagira, e ela diz que Exu não é Diabo é uma pedra que a Pombagira jogou ontem para acertar o passarinho hoje. Por mais sucesso que Exu não é Diabo tenha alcançado, ele é praticamente abertura de caminho para a Deusa. O Exu não é Diabo é um cavaleiro, ele é, literalmente, o homem que abriu o caminho pra essa mulher. Não que ela precise de um homem para abrir o caminho dela, mas, provavelmente, ela quem deu força pra esse homem. Para que ele, posicionado ali, pudesse retornar a força que é dela. A Deusa – Pombagira é um livro muito menos denso, muito menos volumoso, muito menos complexo. O livro da Deusa é muito mais simples, muito mais fácil de ler, muito mais objetivo. O livro Exu não é Diabo é muito importante pra nossa sociedade entender quem é o diabo, quem é Exu. Que um não tem nada a ver com o outro. No entanto, o livro da Deusa é um livro que marca uma mudança de olhar, para nós mesmos, pro mundo, pra sociedade e pra todos aqueles que são marginalizados de alguma maneira. O livro da Deusa é muitas vezes mais impactante na alma do que o livro do Exu. O livro do Exu é de conteúdo, o da Deusa é de transformação, é um livro de atitude, é um livro de consciência, é um livro de empoderamento da Deusa e da mulher, para todas, todos e todes.

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: Através do processo de estudos e pesquisas sobre o feminismo, como foi para você dizer “uau! Eu sou machista!”?

ALÊ CUMINO: Foi terrível! Foi… foi de tirar o chão! Até agora eu não me recuperei! Eu ainda estou… me tirou o chão! Virou, inclusive, a minha vida. Totalmente. A minha vida, o meu olhar para a vida, o meu sentir, o meu jeito de ser, de agir no mundo, está mudando completamente todas as minhas relações. Então, até agora, ainda é e ainda está sendo algo que está me rasgando de dentro pra fora! É… dilacerante, visceral, uma coisa animal mesmo, do bicho que se entende macho, desconstruindo para construir um homem, e o entendimento de que não existe homem enquanto não existir uma mulher também, em mim!

E quem está me fazendo homem – quem me fez macho foi meu pai e a sociedade – agora, é a Deusa. Então, ao mesmo tempo que é terrível, é encantador, encantadora, é apaixonante, é linda! Assim como é a Umbanda! Umbanda, que tanto a gente fala, mas que no fundo muito pouco a gente sabe. Porque quando a gente se depara com essa quantidade de, praticamente, revelações sobre a Deusa, enquanto Pombagira, a gente se dá conta que por mais que você passe vinte anos estudando, você acha que já sabe, e aí você percebe: não sabemos absolutamente nada, o que a gente sabe é muito pouco. E isso quer dizer que a gente sabe muito pouco da Umbanda, também muito pouco da vida! A gente está aí, aprendendo. E nada pode ensinar mais ou melhor sobre a vida do que os outros, o nosso encontro com o outro. É isso: o aprendizado constante.

Muito muito obrigado, por essa oportunidade de falar um pouquinho aqui pra vocês sobre esse amor que é a Deusa. Axé!

OUÇA A PERGUNTA E A RESPOSTA NA INTEGRA

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: No livro da Deusa, já no capítulo 16, você fala muito sobre a questão de homens com a Pombagira. Mas nem todos os homens verão com bons olhos a questão da incorporação da Pombagira. Afinal, nossa sociedade ainda está extremamente arraigada nas questões dos valores sociais e morais! Como você pensa em lidar com isso, principalmente dentro do seu terreiro?

RESPOSTA NA INTEGRA

ALÊ CUMINO: Eu era machista, racista, homofóbico. E agora ainda sou! Menos, muito menos!

E quando eu falo isso, eu nunca agredi de fato a mulher, nem o gay, nem o trans, nem a negra, nem o negro. Mas eu nunca tive uma postura ativa no sentido de fazer algo ou no mínimo uma consciência que fosse ao ...

encontro das necessidades de quem não tem os mesmos privilégios que eu. Então a minha consciência, hoje, diz que aquele que tem privilégios, se não faz nenhum movimento, no mínimo movimento de fala, de consciência, em prol de quem não tem os mesmos privilégios já é uma forma passiva. Então a gente pode colocar um machismo passivo quando você não tem um movimento em prol da mulher; um racismo passivo quando você não participa de uma consciência, de uma conscientização da questão da negra e do negro. E, também, uma homofobia passiva quando você não incentiva, quando você não colabora, quando você não tem um olhar de carinho ou de afeto pra quem está passando tanta dificuldade pra fazer valer as suas questões de identidade de gênero. Ninguém muda do dia pra noite e eu estou nesse processo de conscientização, de aprendizado, de fala, de entendimento e estou, inclusive, procurando um discurso, que seja, menos agressivo. Por quê? Quando a gente se dá conta, a vontade é gritar. E quando a gente grita, esse grito muito alto, as pessoas se sentem agredidas, não é? E é isso...

É mostrar que tudo bem, você é machista, eu não estou te agredindo, eu só quero te mostrar uma consciência! Você é racista, eu não quero te agredir, mas quero mostrar uma consciência! As pessoas não acreditam que elas são homofóbicas, racistas. Elas se defendem dizendo “eu até tenho um amigo gay! Eu até tenho uma amiga negra! Até tenho mulher...” (risos).

Então, é triste essa situação! E aqui na Umbanda, tem um agravante, né?

Porque as pessoas têm esse discursinho, morno, de paz, de amor, de caridade, de cristão... e não vê que, no fundo está se omitindo de uma sociedade desigual, uma sociedade colonialista, machista, sexista, misógina, racista! Uma sociedade homofóbica! E a grande maioria que está no conforto da sua casa ou com o aluguel pago, ou com a casa paga, que tem comida na mesa e se sente confortável por não estar sendo agredido, a grande maioria está numa situação muito cômoda, numa zona de conforto e não quer sair!

Eu represento a pessoa que tem tudo pra estar na zona de conforto. Porque eu sou homem, eu sou branco, além de branco, ainda tenho olho azul! Olha lá!

Então eu faço parte desse grupo, considerado um grupo que está ali, aonde é a área de maior privilégio da sociedade. Se eu posso, então todo mundo pode. E é isso que me anima, mas ao mesmo tempo em que me anima, ainda é tudo muito novo, então eu também estou procurando entender o que é isso dentro de mim, o que é isso fora de mim. O que é isso nesse universo dentro e fora da Umbanda, por que na Umbanda é pior ainda. Quando a pessoa que a gente está falando... A gente falou da mulher, falou do negro, do homossexual, do trans, mas também tem a questão do índio, tem a questão da natureza, tem a questão do nordestino quando chega aqui na Região Sul do País, tem a questão da oriental. Então tem muitas outras questões pra gente olhar, né, tem as questões também das pessoas que têm algum tipo de deficiência ou de algo que as tornem especiais. Então, são todas essas questões que agora vêm à tona e que a gente se pergunta, né?

Como bater cabeça pro Caboclo e não bater pro índio? Como bater cabeça pro Preto Velho e não bater pro negro velho? Como não enxergar o diferente, o outro, e ainda ser umbandista e manter esse discurso de caridade, sem um olhar amoroso pro diferente? Olhar amoroso que tenha um posicionamento ativo.

Porque as pessoas não são iguais, então não adianta tratar como igual. A partir do momento que há desigualdade, a gente deve ter um cuidado de equidade. E eu busco esse olhar de equidade, que é quando trata os desiguais de uma maneira desigual, a fim de equilibrar, e também de alteridade, que é respeitar o outro absolutamente do jeito que ele é. Sem nem se colocar no lugar, por que eu no lugar do outro não sou o outro. Então: equidade, alteridade e amor. Respeito é o mínimo. É o mínimo que se espera!

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: No livro da Deusa, já no capítulo 16, você fala muito sobre a questão de homens com a Pombagira. Mas nem todos os homens verão com bons olhos a questão da incorporação da Pombagira. Afinal, nossa sociedade ainda está extremamente arraigada nas questões dos valores sociais e morais! Como você pensa em lidar com isso, principalmente dentro do seu terreiro?

ALÊ CUMINO: Eu não sei ainda, acho que quem vai lidar com isso é a Maria Preta (Pombagira e mentora espiritual do Alexandre). Aliás, acho que ela já começou a lidar com isso, quando ela tomou a minha frente. Então, nesse momento, a Pombagira, a mulher, né? Porque a Maria Preta, ela quase não se enquadra de ser só uma Pombagira. Ela já falou que é Pombagira, que é Baiana. Falou que ela é Malandra (risos), que ela é Mestra da Jurema, que ela é tudo, né? Então, ela que também é uma Pombagira, tomou minha frente! A partir desse momento, é ela quem vai me mostrar esse caminho. A gente tem os grupos de desenvolvimento mediúnico, e no desenvolvimento a gente vem trabalhando bem essa questão de chamar as Pombagiras para homens e os Exus para as mulheres e vice-versa. Depois, uma coisa que inclusive foi falado aqui, que não é só a Pombagira no homem e o Exu na mulher, né, também tem a Negra Velha, também tem a Índia, tem a Malandra, a Boiadeira, a Marinheira que também estão aí pra incorporar em homens e mulheres e vice-versa, né?

Então, até onde a gente está tão preso nessa questão de gênero. Talvez, da minha parte, conscientizar as pessoas para se libertar um pouco dessa questão de gênero que é uma construção social, uma construção do que é e como se comporta a mulher ou do que é e como se comporta o homem, e que libertar-se disso é uma grande oportunidade de aprender com o diferente. Foi a Maria Preta que falou “o maior aprendizado que a gente tem é com quem mais é diferente de nós. E o mais diferente começa por aquele que é do outro gênero. Esse é o mais diferente. Então, o maior aprendizado do homem está com a mulher, o maior aprendizado da mulher está com o homem e aqueles que transcendem a questão binária de homem-mulher, também estão aí para ensinar e aprender. Todo mundo junto.”

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: A partir desta obra sobre a Deusa Pombagira, o que podemos esperar das suas próximas ou da próxima publicação? Você pretende continuar explorando, ensinando e aprendendo sobre os assuntos abordados neste livro?

ALÊ CUMINO: Eu sinto a urgência de um título sobre a consciência umbandista. A gente tem um Dia da Consciência Negra, porque todo dia devia de ser da consciência negra, mas não é. A gente tem um Dia do Índio, porque todo dia tinha que ser do índio, mas não é. Todo dia é dia de branco, né? Inclusive as pessoas costumam dizer isso, né, vamos embora, vamos descansar, porque amanhã é dia de branco!

Então, quando é o dia do negro? Quando é o dia do índio? Quando é o dia da criança, quando é o dia do velho? Quando é o dia do nordestino, quando é o dia da consciência que possa englobar e alcançar todas essas consciências?

E eu não posso dizer com certeza que esse é o próximo livro. Mas eu posso dizer que eu sinto a urgência de uma consciência umbandista. Pode ser que seja o próximo livro. Porque eu não tenho certeza, porque agora eu só escrevo se a Maria Preta ou, dessa minha família espiritual, alguém, da mesma maneira que ela fez no livro da Pombagira, tomar a frente. Que é outro tipo de abordagem, outro tipo de olhar, que vai muito além do meu. E quando isso acontece, igual aconteceu no livro da Deusa, o resultado que a gente tem é muito além, muito superior do que seria eu falando. Porque eu falando sozinho é praticamente uma fala medíocre quando comparado a o que está acontecendo agora, com a fala da Preta.

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: Durante o processo de criação deste livro você leu vários títulos sobre o feminismo negro. Você poderia indicar aos leitores da revista pelo menos cinco obras sobre este tema, que te ajudou durante suas pesquisas?

ALÊ CUMINO: Sim! O primeiro é Bell Hooks, O feminismo é para todo mundo, editora Rosa dos Tempos;

O segundo é Chimamanda Ngozi Adichie, Sejamos todos feministas, Companhia das Letras;

O terceiro é Djamila Ribeiro, O lugar de fala, Pólen Livros;

O quarto também é Djamila Ribeiro, Quem tem medo do feminismo negro, Companhia das Letras;

E o quinto é Sueli Carneiro, Escritos de uma vida, editora Letramento.

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: O livro Pombagira, a Deusa – mulher igual você é um livro de muita reflexão, que literalmente muda nosso olhar perante a sociedade. Você planejava fazer algo assim desde o início?

ALÊ CUMINO: Eu não pretendia, e eu não tinha a menor ideia que o livro teria essa pegada. Porque eu mesmo não imaginava o que ia acontecer comigo. Então, antes que o livro tivesse essa abordagem para a sociedade, ele teve comigo. E eu costumo dizer que eu achava que estava gerando um livro, mas o livro é que estava gerando um novo eu. E é isso que aconteceu! Eu não tinha nenhuma ideia que isso ia acontecer dessa maneira!

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: Você sofreu algum tipo de ataque pelo fato dessa nova consciência?

ALÊ CUMINO: Eu sofri, eu não sei nem se posso chamar isso de ataque, mas eu percebi uma crítica desavisada de pessoas que não alcançaram esse tipo de consciência, que a gente vê no livro, e tenho a percepção de que eu também não tinha essa consciência, um tempo atrás. É, também, muito oportuno observar o quanto as pessoas se sentem à vontade para criticar aquilo que elas nem sabem o que é.

Quando eu percebo que é uma crítica sistemática, de uma pessoa que está sempre esperando uma brecha, só para criticar, só pra apontar o dedo, só pra tentar diminuir o trabalho alheio, eu simplesmente excluo e bloqueio! Só isso!

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: O livro Exu não é Diabo é um sucesso em vendas da Madras Editora. O que você espera, qual é a sua expectativa em relação ao livro da Deusa?

ALÊ CUMINO: A Cláudia Alexandre fez o prefácio para o livro da Deusa, Pombagira, e ela diz que Exu não é Diabo é uma pedra que a Pombagira jogou ontem para acertar o passarinho hoje. Por mais sucesso que Exu não é Diabo tenha alcançado, ele é praticamente abertura de caminho para a Deusa. O Exu não é Diabo é um cavaleiro, ele é, literalmente, o homem que abriu o caminho pra essa mulher. Não que ela precise de um homem para abrir o caminho dela, mas, provavelmente, ela quem deu força pra esse homem. Para que ele, posicionado ali, pudesse retornar a força que é dela. A Deusa – Pombagira é um livro muito menos denso, muito menos volumoso, muito menos complexo. O livro da Deusa é muito mais simples, muito mais fácil de ler, muito mais objetivo. O livro Exu não é Diabo é muito importante pra nossa sociedade entender quem é o diabo, quem é Exu. Que um não tem nada a ver com o outro. No entanto, o livro da Deusa é um livro que marca uma mudança de olhar, para nós mesmos, pro mundo, pra sociedade e pra todos aqueles que são marginalizados de alguma maneira. O livro da Deusa é muitas vezes mais impactante na alma do que o livro do Exu. O livro do Exu é de conteúdo, o da Deusa é de transformação, é um livro de atitude, é um livro de consciência, é um livro de empoderamento da Deusa e da mulher, para todas, todos e todes.

REVISTA UMBANDA SARAVÁ: Através do processo de estudos e pesquisas sobre o feminismo, como foi para você dizer “uau! Eu sou machista!”?

ALÊ CUMINO: Foi terrível! Foi… foi de tirar o chão! Até agora eu não me recuperei! Eu ainda estou… me tirou o chão! Virou, inclusive, a minha vida. Totalmente. A minha vida, o meu olhar para a vida, o meu sentir, o meu jeito de ser, de agir no mundo, está mudando completamente todas as minhas relações. Então, até agora, ainda é e ainda está sendo algo que está me rasgando de dentro pra fora! É… dilacerante, visceral, uma coisa animal mesmo, do bicho que se entende macho, desconstruindo para construir um homem, e o entendimento de que não existe homem enquanto não existir uma mulher também, em mim!

E quem está me fazendo homem – quem me fez macho foi meu pai e a sociedade – agora, é a Deusa. Então, ao mesmo tempo que é terrível, é encantador, encantadora, é apaixonante, é linda! Assim como é a Umbanda! Umbanda, que tanto a gente fala, mas que no fundo muito pouco a gente sabe. Porque quando a gente se depara com essa quantidade de, praticamente, revelações sobre a Deusa, enquanto Pombagira, a gente se dá conta que por mais que você passe vinte anos estudando, você acha que já sabe, e aí você percebe: não sabemos absolutamente nada, o que a gente sabe é muito pouco. E isso quer dizer que a gente sabe muito pouco da Umbanda, também muito pouco da vida! A gente está aí, aprendendo. E nada pode ensinar mais ou melhor sobre a vida do que os outros, o nosso encontro com o outro. É isso: o aprendizado constante.

Muito muito obrigado, por essa oportunidade de falar um pouquinho aqui pra vocês sobre esse amor que é a Deusa. Axé!

ALÊ CUMINO: Eu não sei ainda, acho que quem vai lidar com isso é a Maria Preta (Pombagira e mentora espiritual do Alexandre). Aliás, acho que ..

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