Ciências Sociais e espiritualidade começou a ser vista como algo menor por mim, no dia em que eu não via saída e pensei em comer terra porque minha barriga só fazia doer de vazio, ele apareceu pra mim, meu avô. Na minha frente e através das lágrimas que inundavam meus olhos sua imagem se fez. Ele me aconselhou e dormi. No dia seguinte eu recebi minha primeira bolsa de pesquisa. Cursei graduação, mestrado e doutorado nas universidades públicas que sonhei sempre com remuneração de estudante-pesquisadora. Aquele dia em que ele apareceu foi o último dia de vazio na barriga e na alma. É assim que começa Anja, com a presença desse avô Preto Velho que se manifesta nos momentos mais difíceis. Um homem da roça, médium, que teve sua última encarnação como um sábio conselheiro. Simples no jeito de falar, econômico nas palavras, mas certeiro sempre que saía do seu silêncio. Falar sobre Anja para mim é falar sobre esses encontros com companheiros de luz que me ajudam a enxergar os caminhos do que posso fazer nesse mundo. Se é a arte que me faz feliz, como eu posso fazer o que vim fazer nesse mundo através dela? E foi assim que a ajuda veio.
Fui aprovada para atuar numa série infanto-juvenil que foi filmada em Itacaré. Entendi que ali eu começaria a escrita desse trabalho. No chão em que o pai de meu avô nasceu. Seus ancestrais eram os africanos que foram escravizados ali, na Bahia. E assim nasceu o primeiro ato da peça. Um ato inteiro sobre a força dessa minha ancestralidade. Homens que não quiseram se dobrar, apanharam e morreram por isso. Mulheres que sofreram com problemas uterinos e de ovários porque tiveram seus corpos invadidos desde que chegaram no Brasil. Nesse ato eu pergunto se as marcas dessas dores se acabarão em mim. É para isso que venho trabalhando diariamente. Cultivar a ancestralidade em aspectos de liberdade e potência e cortar com as dores e carmas que infelizmente também me chegaram. Todos os dias esse Preto Velho ao meu lado me mostra a quão boa é a escolha. Fazer o que é bom, e deixar ir o que nos limita, o que nos aprisiona. Agora eu pergunto, de que adiantaria toda essa comunicação com os amigos astrais se eu não
trouxesse tais aprendizados para minha própria vida? Provavelmente a peça Anja nem existiria. Eu habito aqueles ensinamentos e ao habitar posso exalá-los. Não se trata de transmitir, mas exalar os ensinamentos que me chegam por eles. Quando eles falam através de mim, meus ouvidos são os primeiros a ouvi-los, e minhas mãos podem agir primeiro em minha própria vida. Anja mudou o paradigma com o qual eu agia no mundo, porque foi através desse fazer que eu parei de querer consertar o mundo apontando aos outros, e passei a transformar a mim mesma com todas as minhas forças. Ainda erro (muito), mas honrar os ensinamentos que recebo me faz não persistir longamente nesses erros.
Hoje, quando chego na casa/templo/Ilê da minha mãe, sei que saudar o congá é saudar meus ancestrais. Olho para aquelas imagens de Orixás – todos pretos porque não faria sentido nenhum termos uma representação branca dessas divindades – e me emociono ao pensar que os meus mais velhos estão ali, prontos para fazermos o bem e melhorarmos o mundo, em primeiro lugar a partir de nós. Por isso a casa dela tem essa energia de amor e luz. Sabemos por onde a mudança começa, pela nossa própria célula, pela nossa geometria sagrada, nossa Flor da Vida.
Axé!
Ciências Sociais e espiritualidade começou a ser vista como algo menor por mim, no dia em que eu não via saída e pensei em comer terra porque minha barriga só fazia doer de vazio, ele apareceu pra mim, meu avô. Na minha frente e através das lágrimas que inundavam meus olhos sua imagem se fez. Ele me aconselhou e dormi. No dia seguinte eu recebi minha primeira bolsa de pesquisa. Cursei graduação, mestrado e doutorado nas universidades públicas que sonhei sempre com remuneração de estudante-pesquisadora. Aquele dia em que ele apareceu foi o último dia de vazio na barriga e na alma. É assim que começa Anja, com a presença desse avô Preto Velho que se manifesta nos momentos mais difíceis. Um homem da roça, médium, que teve sua última encarnação como um sábio conselheiro. Simples no jeito de falar, econômico nas palavras, mas certeiro sempre que saía do seu silêncio. Falar sobre Anja para mim é falar sobre esses encontros com companheiros de luz que me ajudam a enxergar os caminhos do que posso fazer nesse mundo. Se é a arte que me faz feliz, como eu posso fazer o que vim fazer nesse mundo através dela? E foi assim que a ajuda veio.
Fui aprovada para atuar numa série infanto-juvenil que foi filmada em Itacaré. Entendi que ali eu começaria a escrita desse trabalho. No chão em que o pai de meu avô nasceu. Seus ancestrais eram os africanos que foram escravizados ali, na Bahia. E assim nasceu o primeiro ato da peça. Um ato inteiro sobre a força dessa minha ancestralidade. Homens que não quiseram se dobrar, apanharam e morreram por isso. Mulheres que sofreram com problemas uterinos e de ovários porque tiveram seus corpos invadidos desde que chegaram no Brasil. Nesse ato eu pergunto se as marcas dessas dores se acabarão em mim. É para isso que venho trabalhando diariamente. Cultivar a ancestralidade em aspectos de liberdade e potência e cortar com as dores e carmas que infelizmente também me chegaram. Todos os dias esse Preto Velho ao meu lado me mostra a quão boa é a escolha. Fazer o que é bom, e deixar ir o que nos limita, o que nos aprisiona. Agora eu pergunto, de que adiantaria toda essa comunicação com os amigos astrais se eu não trouxesse tais aprendizados para minha própria vida? Provavelmente a peça Anja nem existiria. Eu habito aqueles ensinamentos e ao habitar posso exalá-los. Não se trata de transmitir, mas exalar os ensinamentos que me chegam por eles. Quando eles falam através de mim, meus ouvidos são os primeiros a ouvi-los, e minhas mãos podem agir primeiro em minha própria vida. Anja mudou o paradigma com o qual eu agia no mundo, porque foi através desse fazer que eu parei de querer consertar o mundo apontando aos outros, e passei a transformar a mim mesma com todas as minhas forças. Ainda erro (muito), mas honrar os ensinamentos que recebo me faz não persistir longamente nesses erros.
Hoje, quando chego na casa/templo/Ilê da minha mãe, sei que saudar o congá é saudar meus ancestrais. Olho para aquelas imagens de Orixás – todos pretos porque não faria sentido nenhum termos uma representação branca dessas divindades – e me emociono ao pensar que os meus mais velhos estão ali, prontos para fazermos o bem e melhorarmos o mundo, em primeiro lugar a partir de nós. Por isso a casa dela tem essa energia de amor e luz. Sabemos por onde a mudança começa, pela nossa própria célula, pela nossa geometria sagrada, nossa Flor da Vida. Axé!
Dra. Angela Domingos Peres
Antropóloga, atriz, diretora e dramaturga do Terra Centro de Pesquisa Teatral. Ativista da luta feminista, antirracista e Umbandista do Templo Flor da Vida.
"Entendi que ali eu começaria a escrita desse trabalho. No chão em que o pai de meu avô nasceu. Seus ancestrais eram os africanos que foram escravizados ali, na Bahia. E assim nasceu o primeiro ato da peça".
setembro UMBANDA Saravá 39