Three Fictions Three Fictions | Page 18

século dezassete era uma empresa razoável, necessária, quem sabe se fatal; nos princípios do vinte, é quase impossível. Não transcorreram em vão trezentos anos, carregados de complexíssimos factos. Entre eles, para citar um apenas: o próprio Quixote.» Apesar desses três obstáculos, o fragmentário Quixote de Menard é mais subtil que o de Cervantes. Este, burlescamente, opõe às ÅKt‚M[KI^ITMQZM[KI[IXWJZMZMITQLILMXZW^QVKQIVILW[M]XIy[#5Mnard elege como «realidade» a terra de Carmen durante o século de Lepanto e de Lope. Que espanholadas não teria esta escolha sugerido a Maurice Barrès ou ao Dr. Rodriguez Larreta! Menard, com toda a naturalidade, evita-as. Na sua obra não há ciganagens, nem conspiradores, nem místicos, nem Filipe Segundo, nem autos-de-fé. Desatende ou proscreve a cor local. Esse desdém revela um sentido novo do romance histórico. Esse desdém condena Salambô inapelàvelmente. Não menos assombroso é considerar capítulos isolados. Por exemplo, examinemos o XXXVIII da primeira parte. «que trata do curioso discurso que fez Dom Quixote sobre as armas e as letras». É sabido que Dom Quixote (como Quevedo na passagem análoga, e posterior, de «A hora de todos») julga o pleito contra as letras e a favor das armas. Cervantes era um velho militar: a sua decisão explica-se. Mas que o Dom Quixote de Pierre Menard — homem contemporâneo de La trahison des clercs e de Bertrand Russell ¸ ZMQVKQLI VM[[M[VMJ]TW[W[[WÅ[UI[ 5me Bachelier viu neles a ILUQZn^MTM\yXQKI[]RMQtrWLWI]\WZoX[QKWTWOQILWPMZ~Q#W]\ZW[ VILIXMZ[XQKIbUMV\M]UI\ZIV[KZQtrWLW9]Q`W\M#I*IZWVM[I LM*IKW]Z\IQVÆ]wVKQILM6QM\b[KPM)M[[I\MZKMQZIQV\MZXZM\ItrW (que acho irrefutável) não sei se me atreverei a aditar uma carta, que muito condiz com a quase divina modéstia de Pierre Menard: 16 JO RG E LU IS BORGES o seu hábito resignado ou irónico de propagar ideias que eram o estrito reverso das preferidas por ele. ( Rememoremos outra vez a sua diatribe contra Paul Valéry na efémera folha surrealista de Jacques Reboul.) O texto de Cervantes e o de Menard são ^MZJITUMV\MQLwV\QKW[UI[W[MO]VLWuY]I[MQVÅVQ\IUMV\MUIQ[ rico. (Mais ambíguo, dirão os seus detratores; mas a ambiguidade é uma riqueza.) Constitui uma revelação cotejar o «Dom Quixote» de Menard com o de Cervantes. Este, por exemplo, escreveu («D. Quixote», primeira parte, nono capítulo): ...a verdade, cuja mãe é a história, émulo do tempo, depósito das acções, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro. Redigida no século dezassete, redigida pelo «engenho leigo», Cervantes, essa enumeração é um mero elogio retórico da história. Menard, em compensação, escreve: ...a verdade, cuja a mãe é a história, émulo do tempo, depósito das acções, testemunha do passado, exemplo e aviso do presente, advertência do futuro. A história, mãe da verdade; a ideia é espantosa. Menard, contemXWZpVMWLM?QTTQIU2IUM[VrWLMÅVMIPQ[\~ZQIKWUW]UIQVLIgação da realidade, mas como a sua origem. A verdade histórica, para ele, não é o qu e sucedeu; é o que pensamos que sucedeu. As cláusulas ÅVIQ[M`MUXTWMI^Q[WLWXZM[MV\MIL^MZ\wVKQILWN]\]ZW — são descaradamente pragmáticas. Vívido também é o contraste dos estilos. O estilo arcaizante de Menard — no fundo estrangeiro — padece de alguma afectação. Não assim o do precursor, que com desenfado maneja o espanhol corrente da sua época. 6rWPnM`MZKyKQWQV\MTMK\]ITY]MVrWZM[]T\MIWÅUQVƒ\QT=UI T R Ê S FI CÇÕ E S 17