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NÃO ACREDITO EM NENHUM DEUS QUE NÃO SAIBA DANÇAR
“Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas,
é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções. Eu só poderia crer
num Deus que soubesse dançar.
E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e
solene: era o espírito do pesadelo. Por ele caem todas as coisas. Não é
com cólera, mas com riso que se mata. Adiante! matemos o espírito do
pesadelo! Assim falava Zaratustra”
Tomamos de Nietzsche o título para a sessão que, pelo segundo ano
consecutivo, a Semana dedica à produção brasileira de filmes de
artistas contemporâneos. Neste momento em que o Brasil passa por
uma de suas piores crises ética, moral, social e identitária, foi-nos
inevitável buscar aqueles filmes que confrontam os nossos pesadelos
presentes e passados com uma promessa de alegria. Essa promessa
não parte, no entanto, da denegação do nosso presente ou da recusa
infantil de enfrentar nossa tragédia; nem ela se confunde com uma
esperança vã e populista por dias melhores.
Os artistas aqui apresentados habitam e ocupam um mundo
destroçado e assombrado por todas as violências passadas e
ainda cotidianas, oferecendo em troca aquilo que podem diante
da impotência: corpos, dança, delírio – pequenas comunhões para
resistir à aniquilação. Nesses filmes, as ruínas de nossos projetos
modernos e as paisagens distópicas anunciadas em espaços públicos
abandonados são ocupadas por fantasmas que nossos progressos
não lograram – e não quiseram – salvar: loucos, negros, transexuais,
prostitutas, seres híbridos. Entre fantasmas e sobreviventes, esses
corpos dançam, gritam e ressensualizam um mundo no qual parece
haver cada vez menos espaço para as potências da diferença. Não sem
uma melancolia, eles reclamam seu direito à existência e ao amor.
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NÃO ACREDITO EM NENHUM DEUS QUE NÃO SAIBA DANÇAR