SEF em Revista | Page 10

Em resposta ao pedido que me foi dirigido para uma breve nota sobre o espaço em que se movimenta o SEF em matéria de investigação criminal importa salientar alguns pontos, nomeadamente os que nos caracterizam e dão alguma excecionalidade na ação que desenvolvemos.

De uma forma geral os nossos processos-crime têm um caráter transnacional. Com efeito, a evolução a que assistimos nos últimos anos, fruto do normal processo de globalização que teve um impulso transformador a partir de 1989 com a queda do Muro de Berlim, modificou de sobremaneira o tipo de atores da cena das relações internacionais possibilitando às redes informais tanta influência quanto as entidades institucionais, até aí detentoras do exclusivo dessas relações e influências ao nível da geoestratégia e da geopolítica.

Muitas das transformações a que assistimos ultrapassam, em boa parte, as dimensões geográficas e definidoras de soberania, sendo este o caso do desenvolvimento da ação das redes de imigração ilegal, tráfico de seres humanos e falsificação de documentos (crime especificamente instrumental para uma miríade de crimes, entre os quais se destaca o terrorismo para além dos anteriormente citados), incluindo-se assim neste novo palco agentes de incomensurável poder.

Este novo poder e altíssima capacidade de intervenção advêm da

desterritorialização dos espaços, diluição de fronteiras, novas tecnologias de informação sem localização definida, e por isso mesmo difíceis de detetar, razão pela qual a máxima de Anthony Giddens tem um sentido muito especial: os países, nos nossos dias, enfrentam cada vez mais perigos em vez de inimigos.

É perante este cenário que o SEF desenvolve os seus conceitos de trabalho, adota metodologias de investigação criminal, transforma-as e moderniza-as com o objetivo de ter uma adequada capacidade de resposta a este fenómeno. Longe vão os tempos do início da nossa carreira de investigação e fiscalização, nos idos de 1991, em que com muito ceticismo se via a nossa atividade, a qual teve, como momento estrutural e de viragem, algum tempo depois, a criminalização do auxílio à imigração ilegal e a abertura à nossa atuação da criminalidade conexa a esta ação ilícita.

A perspicácia que possibilitou sermos atualmente uma polícia de investigação judiciária de excelência resulta de uma gestão adequada do novo conceito de fronteira; da aplicação das novas tecnologias (v.g. a nossa especialização na área documental); da relevância que para nós tem a componente humana na atividade policial; e, da interação com as diversas comunidades que nos possibilitaram um desenvolvimento de informações que guiam a nossa ação no terreno, explorando - e de que maneira - os instrumentos compensatórios que a União Europeia possibilita para este tipo de atividade, numa forma de minimizar a

diluição de fronteiras no interior do espaço europeu.

Interpol, Europol, Eurojust, Equipas de Investigação Conjunta (EIC) são entidades que fazem parte do quotidiano do nosso léxico, da nossa praxis e que permitiram ao SEF ter sido o impulsionador da primeira EIC no processo denominado “Trufas Odessa”, que envolveu países como a Espanha, Itália, Hungria e Polónia, tutelado pelo Ministério Público no que respeita à componente judicial portuguesa e sob coordenação do Eurojust.

Este caso, como outros que atualmente decorrem da problemática, por exemplo, dos casamentos de conveniência como pano de fundo, e que levaram à constituição de novas EIC, mostram bem como nos aproximamos - e bem - da preocupação refletida pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, “with transnational threats, States have no choice but to work together. We are all affected – whether as countries of supply, trafficking or demand. Therefore, we have a shared responsibility to act”.

10 SEF em Revista mar/abr 2014 2012

S E F +

por José van der Kellen, Diretor Nacional Adjunto do SEF

A investigação criminal no SEF

"TRUFAS ODESSA"

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