Esqueci os sons das palavras,
Como consultar dicionários,
Os nomes das borboletas.
Hoje vigoram ruídos,
Os mergulhos dos afogados,
A estridência dos espectros.
Será preciso reconstituir
A ingenuidade da ortografia,
Os resquícios dos pergaminhos,
A criação do alfabeto.
Uma das vantagens dos extras em DVD é mais do que patente em “Laura” – no disco 2, há duas biografias,
de Gene Tierney e de Vincent Price (Laura e Shelby) muito interessantes e informativas, e também um
trecho todo do filme que foi suprimido. Nesse trecho, fica claro como Lydecker “constrói” Laura levando-o
aos museus, aos restaurantes finos, vestindo-a com os melhores figurinos, escolhendo quem ela deve
prestigiar, o que fazer, como se portar socialmente etc. Se Laura se interessa por outro homem que não ele,
dá um jeito de destruí-lo com sua pena venenosa através dos jornais. Ele quer exclusividade porque, claro,
se trata de uma trip muito pessoal.
Aí, a figura de Laura é tão manipulada quanto a de Judy Barton (para virar Madeleine Elster) no clássico
“Um corpo que cai”, de Hitchcock. Lydecker lembra o obsessivo James Stewart. Que, aliás, é um
personagem ligado à necrofilia como o detetive vivido por Andrews em “Laura”. As mulheres de “Laura”
e “Um corpo que cai” são cultuadas como miragens, objetos, ausências, e precisam sofrer um processo de
imobilização ideal, por assim dizer. Donde a presença infalível da Morte. Além disso, o fato de haver duas
Lauras e da mulher supostamente morta “resssuscitar” (numa cena emocionante, depois que o detetive cai
no sono diante de seu retrato e, ao acordar, ei-la na sua frente, como a realização de um sonho) torna o filme
mais diretamente aparentado ainda a “Um corpo que cai”, feito na década seguinte.
Gene Tierney era lindíssima, foi das mulheres mais belas do cinema, teve uma carreira cujo apogeu se
deu nos anos 40 com o filme “Amar foi minha ruína”, em que foi indicada ao Oscar por fazer a primeira
grande psicopata desenfreada do cinema. Era tão bonita que, quem a conheceu de perto, dizia que nem os
filmes, produzidos e artificiais como eram, faziam justiça à sua beleza real. E é preciso conhecer o extra “A
shattered life”, em que se fala de sua vida trágica, de seus amores (o figurinista Oleg Cassini, o ainda jovem
futuro presidente John Kennedy, o príncipe Ali Khan), vida que culmina em loucura e eletrochoques. Há
algo de profundamente perturbador e comovente no trajeto dessa estrela.
Em suma, o DVD de “Laura” é indispensável. E é preciso ver o filme como um comentário ao romantismo
num sentido mais amplo, um exercício de