Saci Pererê - 100 anos do Inquérito 2018 | Page 22

Andriolli Costa

Natureza

Parque Estadual Serra do Mar Foto : Aline Rezende

Orelhas de Pau

Andriolli Costa

“ Polyporus sanguineus ”. É assim que as convenções científicas conhecem a espécie de fungo que cresce no tronco das árvores . O povo , que é muito mais íntimo , não reconhece esse nome de RG , não . Vão logo botando apelido .
Esse tal de Polyporus virou Orelha de Pau , ou Urupês , como dizem por São Paulo . Lá no interior do Paraná , como conta a leitora Rossiley Ponzilacqua , tem até um nome mais pesado : é Orelha do Diabo .
O que o dicionário sabe das orelhas de pau é sua função . Dizem que o fungo é um decompositor da natureza , e sua presença indica que a árvore já está comprometida . Na natureza nada se cria , tudo se transforma , não é verdade ? A árvore se vai e alimenta o fungo .
O que faltou dizer é que o fungo não indica só a morte da árvore . É um índice da passagem do saci pelas nossas bandas . Dizem que depois de aprontar por 77 anos pelo nosso mundo , o saci finalmente morre de velhice . E quando morre , vira a própria orelha de pau .
Interessante é que nessa passagem o saci não morre por inteiro . Afinal , o fungo é também um ser vivo . No imaginário nada se cria , tudo se transforma . O Pererê deixa rastros concretos de sua passagem , alimentando-se da crença tanto quanto da matéria orgânica .
Em janeiro de 2015 , eu passava pelo centro de São Leopoldo , no Rio Grande do Sul e notei que todas as árvores estavam cheias de orelhas de pau . “ É um cemitério de sacis ”, pensei sem tristeza . Esses já cumpriram sua missão , encantaram a nossa vida . Mas onde estão os vivos ?
Comecei o Colecionador de Sacis para encontrar esses pernetas que ainda saltitam pela terra . Para que mais gente possa ver esses sacis pelo nosso dia a dia , e não só quando já passaram desta para a melhor . A vida deve ser encantada , e o saci é nosso guia pelo encantamento .