Trata-se de um fenômeno cultural de imensa importância e
vastíssima magnitude, pois não apenas deu origem ao, por vezes,
ambíguo e controvertido “politicamente correto”, mas até mesmo
obrigou a reformulação de instituições e políticas públicas (cotas,
por exemplo) e, mais recentemente, força inclusive um repensar
sobre noções antigas, que foram antes incontroversas, como gênero.
No campo científico e, especificamente entre as Ciências Sociais,
até mesmo práticas analíticas convencionais, assentadas nos câno-
nes consagrados do modus operandi da ciência, como relações de
causa e efeito, deixaram de ter validade explicativa, pois o categó-
rico relativismo imposto pelo multiculturalismo, cada vez mais
levado a extremos absurdos, vai liquidando com aquelas antigas
convicções. Mas insista-se: o multiculturalismo que passou a
dominar, sobretudo, as sociedades ocidentais a partir dos anos
oitenta, é desafio analítico gigantesco, pois também abriu inúme-
ras portas para novos comportamentos sociais que são potencial-
mente virtuosos, além de também forçar mudanças em direção
positiva. Por isso, é fenômeno para o qual é preciso um debate
irrestrito, amplo e sem preconceitos.
O multiculturalismo (e seus efeitos) não é, por certo, o condutor
exclusivo das transformações que vieram caracterizar os compor-
tamentos sociais, mas é um de seus eixos centrais no período
contemporâneo. Curiosamente, embora um processo de releitura
do mundo empreendido, inicialmente e em particular, por agrupa-
mentos políticos (e acadêmicos) situados à esquerda, precisaria ser
analisado em estreita associação com o esforço realizado pelos
setores conservadores, apologéticos da ordem capitalista, também
na esteira daqueles anos e seguindo-se à crise da década anterior,
quando o longo ciclo de extraordinária expansão macroeconômica
do período 1945-1973 encontrou seus limites e, nos anos oitenta,
igualmente foi lançando as diretrizes de uma nova e dominante
visão sobre a administração da economia.
O chamado neoliberalismo, que encontraria sua definição mais
acabada somente na década de 1990, nasceu, contudo, na emble-
mática década anterior. Os anos oitenta combinaram, em conse-
quência, pela esquerda e pela direita, a genética originária dos
comportamentos sociais que, gradualmente, se concretizariam nos
anos posteriores.
Explicar o comportamento social das gerações mais jovens, em
nossos dias, portanto, exige decifrar o arcabouço cognitivo que
inspirou seus pais. Esses vivenciaram uma época (grosso modo, a
É possível ser “razoável” em política – ou, mais amplamente, na vida social?
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