Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 28

sociedade e a correspondente e igualmente justa exigência de elucidação em (mais um) protesto contra o atual governo e a inter- venção federal. No limite dos mais afoitos, prospera a ideia de que a própria intervenção é um biombo para o crime. A comoção é pretexto para mandar às favas qualquer razão além da que é instrumental a um objetivo político imediato. Já no limite dos menos verazes chega-se a cometer transgressões éticas graves, como a de fazer equivaler o assassinato de Marielle Franco a processos contra políticos acusados de corrupção. Está claro que não será aceita por esses setores qualquer solução do crime que não confirme, ou dê lugar a que progrida, a tese do conluio de um governo golpista com uma polícia corrupta, racista e sexista. No outro extremo, está a direita autoritária e, ao seu lado, a chamada bancada da bala. Madrugaram aí vozes a veicular, diante do clamor pela elucidação do crime, um habeas corpus preventivo em favor da polícia. Declarações assertivas, mas esca- pistas, pois propõem, na verdade, dar salvo-conduto, não à PM – que como corporação não será ré – mas a criminosos fardados ou milicianos que estão entre os alvos presumíveis de uma investiga- ção séria. Diferentemente da esquerda que mencionei, não se tem aqui apenas um adversário da democracia representativa, ou mesmo da democracia política, de um modo geral. A extrema direita é isso também, mas pode ir além e se articular em afini- dade com esquemas policiais transgressores e ser ator com poder de fogo não desprezível também por isso – e não só pela influência parlamentar. Óbvio que a este setor não contentará uma solução do assassinato de Marielle que exponha a existência de grupos clandestinamente infiltrados na corporação policial. Para ele, nada de mais feliz poderia ocorrer como desfecho do que se apon- tar apenas traficantes como responsáveis pelo crime. E é preciso admitir, por mais que se tenha incompatibilidade política e exis- tencial com o que esse setor pensa e, em parte, representa, que esta hipótese também não se pode descartar como razoável só porque, em tese, agradaria à direita e não contentaria a esquerda. Policiais corruptos, milicianos e traficantes formam, é claro, grupos de risco lógicos nos quais, a princípio, deve-se buscar os culpados. Sabe-se que há relações crônicas de cumplicidade entre estes grupos de risco que seriam, objetivamente, beneficiários em comum da eventual desmoralização da intervenção federal. Mas eles também costumam entrar em guerra, uns contra os outros, assim como internamente lutam entre si as facções em que se 26 Paulo Fábio Dantas Neto