sociedade e a correspondente e igualmente justa exigência de
elucidação em (mais um) protesto contra o atual governo e a inter-
venção federal. No limite dos mais afoitos, prospera a ideia de que
a própria intervenção é um biombo para o crime. A comoção é
pretexto para mandar às favas qualquer razão além da que é
instrumental a um objetivo político imediato. Já no limite dos
menos verazes chega-se a cometer transgressões éticas graves,
como a de fazer equivaler o assassinato de Marielle Franco a
processos contra políticos acusados de corrupção. Está claro que
não será aceita por esses setores qualquer solução do crime que
não confirme, ou dê lugar a que progrida, a tese do conluio de um
governo golpista com uma polícia corrupta, racista e sexista.
No outro extremo, está a direita autoritária e, ao seu lado, a
chamada bancada da bala. Madrugaram aí vozes a veicular,
diante do clamor pela elucidação do crime, um habeas corpus
preventivo em favor da polícia. Declarações assertivas, mas esca-
pistas, pois propõem, na verdade, dar salvo-conduto, não à PM –
que como corporação não será ré – mas a criminosos fardados ou
milicianos que estão entre os alvos presumíveis de uma investiga-
ção séria. Diferentemente da esquerda que mencionei, não se tem
aqui apenas um adversário da democracia representativa, ou
mesmo da democracia política, de um modo geral. A extrema
direita é isso também, mas pode ir além e se articular em afini-
dade com esquemas policiais transgressores e ser ator com poder
de fogo não desprezível também por isso – e não só pela influência
parlamentar. Óbvio que a este setor não contentará uma solução
do assassinato de Marielle que exponha a existência de grupos
clandestinamente infiltrados na corporação policial. Para ele,
nada de mais feliz poderia ocorrer como desfecho do que se apon-
tar apenas traficantes como responsáveis pelo crime. E é preciso
admitir, por mais que se tenha incompatibilidade política e exis-
tencial com o que esse setor pensa e, em parte, representa, que
esta hipótese também não se pode descartar como razoável só
porque, em tese, agradaria à direita e não contentaria a esquerda.
Policiais corruptos, milicianos e traficantes formam, é claro,
grupos de risco lógicos nos quais, a princípio, deve-se buscar os
culpados. Sabe-se que há relações crônicas de cumplicidade entre
estes grupos de risco que seriam, objetivamente, beneficiários em
comum da eventual desmoralização da intervenção federal. Mas
eles também costumam entrar em guerra, uns contra os outros,
assim como internamente lutam entre si as facções em que se
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Paulo Fábio Dantas Neto