Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 145

rou aspectos do projeto, sem o rejeitar de todo, lançando mão de uma comparação entre a experiência brasileira e as experiências das “sociedades as mais liberais”, onde a “simples habitação de um estrangeiro em qualquer país não o torna cidadão dele”. Embora reconhecesse que os portugueses eram uma categoria especial de estrangeiros, porque “fazíamos uma só nação, somos seus filhos, seus parentes e viemos do mesmo tronco” (AAC II, p. 86), recomendava prudência, justamente porque compreendia que o sentimento de nação, de pertencimento, era muito mais complexo do que o local de nascimento ou de residência. Em outras pala- vras, envolve um sentimento profundo de reconhecimento de si mesmo na nação: O amor de nossos lares, o afeto do primeiro berço, onde se gastam os anos de nossa meninice, a afeição à pátria que nos viu nascer, são sentimentos naturais, que podem sim calar-se à vista de outras circunstâncias, mas que sempre existem cobertos nas almas bem formadas. (AAC II, p. 86). Logo, continua o deputado, o reconhecimento da nacionalidade brasileira deveria ser feito com cautela, tendo em vista que ensejava aspectos muito fundamentais, como a garantia de cidadania: À vista disso bem se veem que caem por terra os especiosos argumentos e exclamações contra a violação das garantias da liberdade pessoal do cidadão. Não é contra o cidadão que é ajustada a providência, é contra estrangeiros, e estrangeiros suspeitos [...] afeta só aos estrangeiros portugueses, e não aos brasileiros. [...] Eu, por minha parte, creio que a medida, odiosa como é, contudo é exigida pela necessidade. A nossa situação é nova, e requer mais cuidado do que pensamos. (AAC II, p. 86). A “nova” situação do Brasil buscava forjar um nacionalismo que pretendia definir o “ser brasileiro” sem, contudo, “deixar de ser filho da civilização” (GUIMARÃES, 2007, p. 84). Nesse processo, necessariamente foram acomodados mal ou bem elementos modernos – como a noção de cidadania e de nação soberana – e tradicionais – como as especificidades de uma ex-colônia cuja elite política fez parte da administração do Estado, e que via os “portugueses do lado de lá” do Atlântico como irmãos, pelo menos até às vésperas 3 da Independência. 3 Até que chegassem as notícias do Brasil com a rejeição do povo aos decretos das Cortes, a deputação brasileira em Lisboa pouco protesto havia feito acerca de tão controversas medidas. CARVALHO, Manuel E. Gomes de. Os deputados Quem vai ser brasileiro? 143