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ENTREVISTA THIAGO VINÍCIUS
que o Jardim Europa também seja. Da mesma forma, eu quero que o cara do Jardim Europa sinta que o Capão também é dele e que, quando alguém morrer numa chacina aqui, ele sinta que também perdeu alguém com aquele crime.
Onde você busca referências? O que me forma são as letras do Racionais Mc’ s, os livros do Ferréz, os poemas do Sérgio Vaz, o Sarau do Binho... Além disso, hoje eu estudo ciências sociais na FESPSP( Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo). Estou no primeiro semestre.
para entrar na periferia. Às vezes a gente está fodido, precisa pagar o aluguel e acaba aceitando. Mas é com dor no coração. Por que o dinheiro não vem direto pra cá? O pessoal dos coworkings de São Paulo vive no ar condicionado, mas vem prototipar seus negócios aqui. Daí, nós viramos objeto e acabamos fazendo figuração nas apresentações deles.
De que forma você sente esse racismo institucional? Tem fundo social que ninguém da periferia consegue acessar. Tipo, periferia nenhuma. É só uma turma que já vem de uma classe preestabelecida, que já vem com domínio de finanças, planilhas, apresentação, site, tudo pronto. Outro dia tentei participar de um edital, mas não conseguimos responder nenhuma pergunta. Só tinham perguntas sofisticadas. Só quem tem aquela planilha, aquele inglês e aquele francês vai conseguir. E esses grupos não te preparam, não se preocupam com a questão da acessibilidade, não fazem nenhuma oficina pra você. Por isso, são sempre os mesmos que são apoiados pelos fundos. Você tem de desconfiar de quem
MEU BAIRRO, MINHA VIDA Com o Vivência Comunitária, Vinícius faz um tour pelos projetos socioculturais da zona sul de SP
tem uma boa apresentação. Às vezes o cara tem uma puta apresentação, mas não tem a base. Nós não temos a apresentação da hora, mas temos o trabalho louco.
Você segue algum indicador? Como sabe se as coisas estão indo bem ou mal? Eu olho a autoestima da periferia, mano. O fato de você estar vindo aqui hoje e chegar bem, por exemplo. Você não ia conseguir fazer isso na década de 90. No mínimo, alguém ia te trombar ali, perguntar o que você está fazendo aqui. Hoje não, você está numa quebrada livre, linda, que tem uma juventude com orgulho de falar que é do Capão Redondo e do Campo Limpo. Uma juventude que veste boné do Capão. Você não vê um cara com boné de Higienópolis, vê? Tive outro indicador com o Festival Percurso, quando veio muita gente do Centro para a periferia. Eu amei ver outros rostos aqui! Isso reforça a ideia de uma periferia conectada e global. Queremos uma visão empoderada da cidade. Quero que o Capão Redondo seja meu, assim como quero
Qual a sua leitura, na posição de empreendedor, ativista e cidadão, do momento atual? Eu faço parte de uma periferia que só me dá orgulho. É uma periferia que emociona, que a gente ama e de que temos orgulho. Bem diferente do que mostra o noticiário de Brasília, que faz a gente sentir vergonha de ser brasileiro. Você vê o noticiário e é delação atrás de delação, roubo atrás de roubo, e a gente é que paga essa conta social. É muito triste. O tensionamento que o capitalismo gera na cidade é distensionado nas periferias. Quando as pessoas se conectam com a gente, é uma lavagem de alma. Elas dizem:“ Não acredito que vocês estão fazendo isso com tão pouco recurso”.
Como a periferia vive a crise? Hoje está bem difícil, mas a gente busca empreender, vender pastel, cerveja, roupa. Porque a política deu um baile na gente, e isso em todas as classes sociais. Algumas pessoas deixam de trocar de carro, de comprar uma bolsa ou de fazer uma viagem. Para nós, a piora econômica tem um acentuamento muito forte. A gente está se fodendo. Mas a gente não vai fechar a porta. A gente vai empreender até os últimos dias.
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