Quando a palavra mia
A observação da natureza é para o escritor moçambicano Mia Couto a
essência de sua escrita. É entre as flores, as folhas e os bichinhos que
as histórias nascem dentro dele e ganham o mundo.
texto :
Antes de tornar-se escritor e
biólogo, Mia Couto desejou ser gato.
Por isso, ainda na infância, decidiu que
o seu território sagrado seria a varanda
da casa entre os felinos das redondezas.
Aliás, foi justamente nessa época, em
companhia de malhados, acinzentados
e pretos, que contestou o nome de
batismo: Antonio Emílio Leite Couto.
A partir daquele momento crucial,
desejou ser tratado apenas por “Mia”,
em uma alusão melódica aos miados
chorosos dos amigos de leite, de
brincadeiras e de terra batida. Pode
até parecer história da carochinha,
daquelas contadas pelas avós à beira
da cama, mas esse relato, com pitadas
de encantamento, foi-me contado
pelo próprio escritor moçambicano,
um dos mais aclamados da língua
portuguesa na atualidade, durante uma
de suas viagens ao Brasil. Contudo, o
nosso bate-papo manteve-se em sono
profundo em meu celular. Para mim,
SETEMBRO 2017• vida simples
Tiago Gonçalves
colagem :
Paola Viveiros
eram vozes adormecidas.
Com a recente passagem do autor de
Terra Sonâmbula (Companhia das
Letras) pelo país, resolvi acordá-las de
um fadado esquecimento. Tal como os
gatos da infância, Mia Couto tem gestos
comedidos.