Revista Tecnicouro (maio/junho 2021) Ed. 324 - completa | Page 72

OPINIÃO

Colunista

Tributação e Locadoras : Johnny amplia sua saga ...

Para os leitores saudosos dos feitos de Johnny e órfãos da inveja que isso lhes propiciava , seus problemas acabaram , como dizia o jargão de um velho programa televisivo ( Cacete & Perneta ), ao tempo em que a televisão era a única culpada de “ me deixar burro , muito burro demais ...” conforme vociferava os Titons . Ih ! Imaginem que diriam eles , hoje , dos grupos de Uatizape e outros que proliferam naquele estranho país ...

A estória de Johnny é um exemplo de como alguém esperto pode comprar a felicidade terrena e até a eternidade , embora com relação a essa talvez haja algum risco de a mercadoria não ser entregue . De advogado que só queria ter um jatinho
Marciano Buffon advogado Tributarista , professor do PPGD da Unisinos marciano @ buffonefurlan . com . br
para conquistar o amor verdadeiro , Johnny criara uma inusitada religião ( Non mortis ); investira os lucros na extração de minérios e terminara por criar gado para exportação .
Quando nem mais descer de seu jatinho , com seu flamante chapéu verde / amarelo e botas de couro de pyton , tornou-se páreo a famosidade de um digital influencer , nosso herói transformou-se em apresentador de um programa de TV pago ( também reproduzido com enorme sucesso no vocenotubo ). Neste , relatava seus feitos e angariava novos fiéis , tendo inovado com o disparo de tiros para o ar ao final do programa , enquanto os que assistiam - todos de chapéus iguais para honrar seu mito - saudavam-no em delírio . Porém , como outrora , faltava-lhe algo . Ocorre que Johnny sentia um enorme e insaciável prazer de não pagar tributos . Até então , suas atividades econômicas , com ajuda de um supertributarista , não haviam sido admoestadas pelo fisco e pelas leis daquele país .
No entanto , isso já não era suficiente . Sentia , pois , uma espécie de crise de abstinência de levar vantagem e precisava de um novo negócio que pudesse renovar seu deleite de intributável . Depois de conversar com seu guru para novos negócios ( um ex-empresário falido que se notabilizou em coaching para o enriquecimento ), tomou uma decisão : criaria uma concessionária de veículos usados , travestida de locadora de automóveis .
Conforme lhe explicaram , a maladrangem ( Johnny sentia um incomparável prazer auricular ao som dessa palavra ) consistia em comprar veículos novos na condição de consumidor final , dado que os destinaria para a locação . Com isso , não teria que recolher o denominado ICMST , normalmente cobrado por antecipação das concessionárias com base no suposto preço de venda cobrado dos adquirentes . Com a explosão de novos empreendedores naquele país - os quais dirigiam carros para a empresa chamada ABer como se taxistas fossem - não seria difícil alugar tais veículos . Tudo bem que sobraria uma parcela muito pequena para o locatário , mas isso era da natureza do negócio .
Aliás , seu antigo e ex-amigo , também João , o qual , diferentemente de Johnny , nascera João e assim permanecera , era um desses empreendores que , já acreditando no futuro do negócio , participara recentemente de uma carreata contra a instituição do Imposto sobre os Afortunados e pelo fim da saúde e educação públicas , embora sua renda mensal acabasse muito antes de o mês encontrar seu ocaso . Mas enfim , pensava João , “ sou livre para enriquecer !”
Não bastasse estar dispensado do ICMST , seu supertributarista explicou-lhe que sobre a locação não incidia nenhum daqueles impostos , os quais normalmente eram cobrados quando uma empresa vendia mercadoria ou prestava serviços , pois , há muito tempo , a Super Suprema Corte ( SSC ) havia julgado que tal operação não caraterizava fato gerador deles . Além disso , a SSC havia entendido que , se o veículo ficasse durante um ano contabilizado no “ ativo imexível ” da empresa ( lembrando do inesquecível Ministro Toni Rogê Magro ), poderia ser comercializado sem o pagamento do tal imposto incidente sobre revenda de automóveis usados . Com isso , conseguiria a façanha de vender o automóvel usado por um preço maior do que o da compra , mesmo depois de um ano de uso , além de todos os meses apropriar despesas com a depreciação dos veículos locados , o que reduziria seu lucro irreal e , com isso , diminuiria aqueles tributos chatos que incidiam sobre ele . Por fim , também ficou sabendo que poderia negociar com um determinado estado ( Terra de Tiradentes ), que lhe concederia uma redução do imposto sobre a propriedade de veículos de motor , mesmo que esses fossem locados em outros estados , bastando que fossem emplacados nas terras onde , no passado , havia muitas minas . Parecia estranho , mas sua locadora de automóveis teria um faturamento muito maior com a revenda de automóveis usados do que com a locação propriamente dita , tudo dentro da lei como lhe contara seu supertributarista . Que belo negócio !
Compraria e venderia automóveis , como se locadora fosse , e ainda sobraria uma boa grana pela locação aos incautos motoristas da ABer . Como outrora ocorrera , Johnny teve até dificuldade de acreditar no plano . Porém , ele já havia se acostumado a viver espertamente naquele estranho país , ter orgulho e ser cultuado por sua ignorância , ser aplaudido por suas grosserias e maugosto e até já percebera muitos desejando ser apenas ele . Afinal , naquele tempo um tanto estranho e naquela terra que ele acreditava ser plana , instaurara-se uma silenciosa epidemia , a qual , embora não matasse diretamente , levava um contigente cada vez maior de pessoas a embarcar em uma máquina do tempo rumo à Idade Média . Ah ... ninguém ouse culpar os marcianos pela invenção dessa máquina !
72 • maio | junho