Revista Tecnicouro - Edição 313: comepleta Ed. 315 - completa (Nov/Dez - 2019) | Page 72

OPINIÃO C olunista Tributação e Pecuária: a saga de Johnny continua... F especialmente a democrática Terra dos az algum tempo, que esta saga Otomanos. Tudo se encaixava... iria criar vem sendo contada. Num imagi- e exportar gado com até vinte e quatro nário país dos trópicos, reside o meses de vida! personagem principal (Johnny - outrora Seu coaching de tributação expli- João), que, de advogado que sonhara cou-lhe que a Constituição daquele país com um jatinho, tornou-se o célebre assegurava total imunidade tributária fundador de uma nova religião: a non às exportações, inclusive em relação ao mortis (primeira religião a garantir a gado vivo, motivo pelo qual não preci- imortalidade). Depois disso, resolvera saria se incomodar com um amontoado investir seus recursos na mineração, em de tributos existente. “Não se preocupe! uma província não muito distante, deno- Isso é problema da indústria, do comér- minada “Terra de Tiradentes”, justamen- cio e de quem presta serviços.” Exportar te às margens do Rio Adocicado, o qual, gado vivo, disse-lhe seu advogado, não num belo dia de verão, dividiu seu leito Marciano Buffon implica pagar a mais maluca sopa de com toneladas de rejeitos de uma barra- PhD. doutor em Direito, advogado tributarista, letrinhas tributária: ICMS, IPI, PIS, ISSQN, gem que se rompera. Estudos encomen- professor da Unisinos [email protected] COFINS, Imposto de Exportação. dados por sua empresa concluíram que Claro que a fazenda a ser adquiri- ocorrera um improvável terremoto sob a barragem e este fora, enfim, a causa do desastroso rompi- da estava no centro, mais ao oeste, do País e, portanto, bem longe do litoral e dos portos. Seu gado precisaria viajar mui- mento. Já insatisfeito com sua fortuna e incomodado por alguns tos quilômetros para poder embarcar para o exterior. Na sua “metidos a cientistas” desacreditarem do tal laudo do terre- malandra esperteza, pensou: “ainda bem, que havia “trouxas” moto, Johnny sorvia um vinho importado (não apreciava mui- que pagavam tributos naquele país, pois quem iria construir e to, mas pelo preço que pagara, devia ser bom), quando seu cuidar das rodovias necessárias para levar seu gado até o em- animal spirits desabrochou inapelavelmente. Tudo isso, en- barque, ou mesmo manter os portos em condições de opera- quanto lia um pequeno livro de autoajuda, recomendado por ção com o exterior?” Sorriu... poderia criar e exportar novilhos, seu coaching de pequenas leituras empreendedoras e ouvia praticamente, sem ter que pagar tributos e além disso, haveria uma música de ostentação, prescrita por seu coaching de au- alguém para bancar a logística (Johnny achava muito chique essa palavra). Isso era perfeito! Já se imaginou postando uma toestima. Pensava ele, enquanto soava tal música, que combinava foto tocando um berrante montado em um cavalo importa- com seus sonhos: ter um jatinho (ser invejado e amado por do, sendo muito curtido e aplaudido pela “peonada” virtual. isso), ter uma religião para chamar de sua e ter uma minera- Quem mesmo era aquele que cantava: “Ê , ô, ô, vida de gado/ dora já não lhe asseguravam a venerada felicidade, tampouco Povo marcado ê/ Povo feliz”? Aquele sonho de viver em Momai Beach, outrora acalenta- o faziam sentir-se um Christian Gray dos trópicos, algo por ele almejado, depois de ter lido o que entendia ser o maior clás- do, foi, enfim, aposentado. Seria um novo rei do gado, inveja- sico da literatura. Pouco adiantava tantas curtidas nas redes do, com dinheiro suficiente até para comprar amor verdadeiro. sociais a fotos que o vendiam como uma perfeita mercadoria Imaginou-se, pois que seria, enfim, feliz e que deus o escolhera (não me venham com tal Bauman de novo!). Precisava de um para assim ser, singelamente por seu mérito. Olhou-se no es- novo desafio para maximizar o seu espírito empreendedor. pelho, já meio embriagado de autoestima e zonzo pelo álcool, contraiu o bíceps e cantou uma música em inglês, pronuncian- Resolveu comprar uma fazenda e criar gado. Como dera certo nas outras ocasiões, Johnny consultou do as palavras como seu ouvido assim entendera (ficava meio seu supertributarista, acerca do quanto teria que pagar de tri- estranho, mas ele era Johnny!). Feliz, assim, prosseguiu seus butos com o novo negócio. Consultou seu guru de internet e dias, aos quais chamava de vida, consumindo seu tempo como descobriu que a moda do momento era exportar gado vivo, se ele não fosse finito e acumulando dinheiro para negociar sobretudo novilhos, pois os países árabes assim o desejavam - com a morte, quando esta “injustamente” ousasse encontrá-lo. 72 • novembro | dezembro