OPINIÃO
C olunista
Reforma Tributária:
dos sonhos à realidade
N
pode-se lembrar: a) da incidência, quase
a política e na economia con-
indiscriminada, de tributos sobre gêneros
senso é algo tão desejado
de primeira necessidade, que oneram a
quanto difícil de ser alcan-
parcela mais carente da população; b)
çado. A menos que se esteja diante de
das ilegais e inconstitucionais normas
pautas demagógicas, incessantemente
que diariamente se multiplicam por par-
reproduzidas durante os processos elei-
te dos Estados regulando institutos como
torais (ex.: pela educação, pela seguran-
o da substituição tributária; c) da proibi-
ça, pelo fim da corrupção), a convergên-
tiva carga tributária incidente sobre a
cia mínima de ideias esbarra no quase
folha de salários das pessoas jurídicas; d)
patológico egocentrismo ou na defesa de
da insegurança decorrente da ausência
determinados interesses que margeiam a
de um marco legal definido relativamen-
ilicitude ou, quando, de fato, não forem
te a tributos tão importantes, como é o
apenas isso.
caso das contribuições do PIS/COFINS; e)
Entre os consensos ficcionais encon-
Marciano Buffon
da escancarada iniquidade na tributação
tra-se a Reforma Tributária. Ninguém PhD.
doutor em Direito, advogado tributarista,
da renda; f) da extrema complexidade na
ousa se opor a que uma mudança estru- professor da Unisinos
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apuração dos tributos. Enfim, os exem-
tural no modo de pagar tributos no Brasil
plos provavelmente esgotariam as letras
trata-se de algo imprescindível, para que
se possa trilhar o caminho do crescimento econômico e do de- do alfabeto e, mesmo assim, restariam muitos outros a serem
senvolvimento social. A cada nova eleição, a temática é deba- infelizmente mencionados.
Isso não significa que a ideia de se unificar tributos em um
tida - no mais das vezes com pouco conhecimento de causa - e
novo Imposto sobre Bens e Serviços, não representaria alguma
todos prometem uma reforma.
Pode-se dizer que não há um setor da sociedade que se melhora. Certamente, reduziria a irracional forma de se apurar
declare contrário à Reforma Tributária. Todos são a favor, sem os tributos devidos no Brasil, a qual não encontra nenhum mo-
que, no entanto, este objetivo torne-se realidade. A partir dis- delo precedente noutro lugar do planeta. Porém, não se pode
so, a questão que se coloca é: por que não ocorre uma refor- deixar de perceber que o Governo Federal passou a desejar a
ma tributária e por que ela não ocorrerá? Não se ignora, pois, a unificação, quando sofreu importantes derrotas no Judiciário
existência de projetos em andamento e outros sob a promessa acerca de dois tributos fundamentais: PIS/COFINS (no que tan-
de serem apresentados, como se ela fosse um objeto de desejo ge a inclusão do ICMS na base de cálculo e num encaminha-
mento da definição do conceito de insumos). Isso significará
possessivo, de alguém que a queira chamar de sua.
A resposta a essa pergunta é singela. Cada setor da socie- (ria) um passivo incalculável aos cofres públicos (fala-se em 300
dade sonha com uma reforma tributária que contemple seus bilhões só em relação ao primeiro ponto). Tudo indica que o
interesses; enquanto que, as esferas federal, estadual e muni- novo tributo que, talvez venha a ser instituído, contenha em sua
cipal da administração pública vislumbram uma reforma que lei respectiva a proibição de se compensar aquilo que foi pago
mantenha ou aumente a arrecadação. Basta que se examinem indevidamente a título de PIS/COFINS durante longos anos,
os referidos projetos (bem como as promessas) para se consta- submetendo os contribuintes a satisfazerem seus créditos, me-
tar que reforma, no sentido de uma alteração estrutural no sis- diante o “calvário” dos precatórios, o qual poderá ser piorado,
tema, não será realizada, restringindo-se, tão somente, a ajustes se estes vierem a ser parcelados.
Enfim, pode-se prever que, no máximo, teremos meros
que estejam ao sabor das maiorias ocasionais.
É certo que o Brasil tem uma carga tributária elevada, a ajustes e mudanças pontuais, as quais, embora venham a ser
qual não suporta qualquer incremento. Porém, muito pior do denominadas de “reforma”, farão perpetuar as históricas iniqui-
que ter uma carga tributária elevada, é ter uma carga irracional dades e distorções que constituem a marca indelével do modo
e injusta, como indiscutivelmente aqui se constata. É difícil com- de tributar no Brasil. Na verdade, ao dizer isso, tudo que se quer
preender que inaceitáveis injustiças, ilegalidades e irracionali- é ser contestado e desmentido, porém a realidade mostra-se
dades permaneçam por tanto tempo, como se não fosse pos- perversa a sonhos que singelamente acalentam a construção
sível conceber novos caminhos ou fórmulas. Para exemplificar, de um modo de tributar mais simples e justo.
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