ARTIGO
O GOVERNO NÃO É SUPERMERCADO
POR MAILSON DA NÓBREGA*
Durante muitos anos, poucos ti-
nham a percepção da origem do di-
nheiro do governo. Agora, a maioria
depreende que os recursos do Orça-
mento vêm dos impostos pagos pe-
los contribuintes. Ao mesmo tempo,
todavia, passou-se a considerar o
governo como uma espécie de su-
permercado, ao qual pagamos im-
postos em troca da prestação direta
de serviços públicos. Não é bem
assim.
Na Previdência, as despesas do
INSS e dos regimes do setor público
acarretam um déficit anual de mais
de 300 bilhões de reais. O rombo é
coberto pelos impostos pagos por
todos para financiar aposentadorias
e pensões, mas o benefício vai ape-
nas para os respectivos segurados.
Um terço da arrecadação serve para
pagar juros da dívida pública. Não
há benefício direto ao contribuin-
te. A dívida representa o acúmulo
Muitas das atividades do governo de anos de déficits fiscais que per-
são intangíveis, isto é, não percep- mitiram a prestação de serviços no
tíveis como tal. O Banco Central passado.
realiza despesas com o objetivo de
assegurar inflação baixa e sob con- No excelente livro Apelo à Razão
trole, o que é fundamental para o — A Reconciliação com a Lógica
bem-estar da sociedade, mas esse Econômica, Fabio Giambiagi e Ro-
serviço não é levado em conta nessa drigo Zeidan mostram, na página
troca.
106, como é equivocado dizer que
“pagamos impostos exorbitantes
As Forças Armadas preservam nos- para não receber nada em troca”. O
sa soberania. As instituições de de- livro é muito mais do que isso. En-
fesa da concorrência e da regulação, sina a não flertar com o populismo,
que coíbem o domínio do mercado a entender nossas mazelas e a evitar
por monopólios e oligopólios, são o abismo, mas também a contestar
essenciais para o melhor funciona- didaticamente visões erradas como
mento da economia. Nenhuma des- essas.
sas funções é tida como prestação
de serviços aos contribuintes.
Fabio Klein, especialista em contas
públicas da Tendências Consultoria,
Veja-se o programa Bolsa Família. empresa da qual sou sócio, identi-
Suas despesas superam os impostos ficou no Orçamento da União os
pagos pelos beneficiários quando gastos com funções tangíveis, isto
as famílias assistidas compram, por é, passíveis de compreensão: previ-
exemplo, alimentos, vestuário e cal- dência e assistência social, educa-
çados. A diferença é coberta pelos ção, saúde, segurança pública, cul-
contribuintes, que, sem se dar conta, tura, habitação e gestão ambiental,
prestam solidariedade aos pobres.
entre outras. No total, eles atingem
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Revista SESVESP
* Maílson da Nóbrega foi ministro
da Fazenda e é consultor de
economia
cerca de 40% das despesas. Assim,
algo como 60% dos gastos federais
não se relacionam com serviços
prestados diretamente pelo setor
público. Nem por isso deixam de
ser relevantes e necessários.
Afirmar que os serviços públicos
não podem corresponder direta-
mente aos impostos pagos não sig-
nifica aceitar que eles têm boa qua-
lidade. Há que demandar a melhoria
da gestão e a avaliação sistemática
desses serviços em vez de imaginar
que o governo é um supermercado.