Revista Sesvesp Ed 145 | Page 12

ARTIGO O GOVERNO NÃO É SUPERMERCADO POR MAILSON DA NÓBREGA* Durante muitos anos, poucos ti- nham a percepção da origem do di- nheiro do governo. Agora, a maioria depreende que os recursos do Orça- mento vêm dos impostos pagos pe- los contribuintes. Ao mesmo tempo, todavia, passou-se a considerar o governo como uma espécie de su- permercado, ao qual pagamos im- postos em troca da prestação direta de serviços públicos. Não é bem assim. Na Previdência, as despesas do INSS e dos regimes do setor público acarretam um déficit anual de mais de 300 bilhões de reais. O rombo é coberto pelos impostos pagos por todos para financiar aposentadorias e pensões, mas o benefício vai ape- nas para os respectivos segurados. Um terço da arrecadação serve para pagar juros da dívida pública. Não há benefício direto ao contribuin- te. A dívida representa o acúmulo Muitas das atividades do governo de anos de déficits fiscais que per- são intangíveis, isto é, não percep- mitiram a prestação de serviços no tíveis como tal. O Banco Central passado. realiza despesas com o objetivo de assegurar inflação baixa e sob con- No excelente livro Apelo à Razão trole, o que é fundamental para o — A Reconciliação com a Lógica bem-estar da sociedade, mas esse Econômica, Fabio Giambiagi e Ro- serviço não é levado em conta nessa drigo Zeidan mostram, na página troca. 106, como é equivocado dizer que “pagamos impostos exorbitantes As Forças Armadas preservam nos- para não receber nada em troca”. O sa soberania. As instituições de de- livro é muito mais do que isso. En- fesa da concorrência e da regulação, sina a não flertar com o populismo, que coíbem o domínio do mercado a entender nossas mazelas e a evitar por monopólios e oligopólios, são o abismo, mas também a contestar essenciais para o melhor funciona- didaticamente visões erradas como mento da economia. Nenhuma des- essas. sas funções é tida como prestação de serviços aos contribuintes. Fabio Klein, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria, Veja-se o programa Bolsa Família. empresa da qual sou sócio, identi- Suas despesas superam os impostos ficou no Orçamento da União os pagos pelos beneficiários quando gastos com funções tangíveis, isto as famílias assistidas compram, por é, passíveis de compreensão: previ- exemplo, alimentos, vestuário e cal- dência e assistência social, educa- çados. A diferença é coberta pelos ção, saúde, segurança pública, cul- contribuintes, que, sem se dar conta, tura, habitação e gestão ambiental, prestam solidariedade aos pobres. entre outras. No total, eles atingem 12 Revista SESVESP * Maílson da Nóbrega foi ministro da Fazenda e é consultor de economia cerca de 40% das despesas. Assim, algo como 60% dos gastos federais não se relacionam com serviços prestados diretamente pelo setor público. Nem por isso deixam de ser relevantes e necessários. Afirmar que os serviços públicos não podem corresponder direta- mente aos impostos pagos não sig- nifica aceitar que eles têm boa qua- lidade. Há que demandar a melhoria da gestão e a avaliação sistemática desses serviços em vez de imaginar que o governo é um supermercado.