Mercado
onde era muito comum o palestrante explicar
todas as consequências negativas advindas da
infração à ordem econômica, mas em raríssimos casos alguém ofereceu alguma solução
que pudesse equilibrar cautela com arrojo;
ou que trouxesse uma interpretação mais
amigável ao duro texto legal. O problema é
que antigas práticas de mercado – a propósito, moralmente discutíveis –, eram, de fato,
realizadas com habitualidade e naturalidade
para fomentar novos contratos, assim como
para ampliação de mercado. Atualmente, tais
práticas não têm lugar em empresas com programa de integridade. O Compliance – frisese – não surgiu para dificultar as vendas, mas
para estabelecer um novo modelo corporativo
de negócios, especialmente com o mercado
público. Portanto, passado esse período inicial de cautela e prevenção, com reflexos
duros para a área comercial, as empresas
começam a entender que o Compliance pode,
sim, estabelecer regras de conduta perfeitamente adaptáveis ao mercado público e criar
um novo conceito nesta relação – por vezes
delicada – entre empresas privadas e governo.
corrupção inovou, sim, na responsabilização
da pessoa jurídica e nas relações entre empresas e governos, nacionais ou estrangeiros.
Para que o Compliance seja formalizado
- uma vez que o compromisso verbal não é
suficiente -, a empresa institui um programa
de integridade. O Decreto nº 8.420/2015
definiu, no seu art. 41, o que é Programa de
Integridade: “Programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no
conjunto de mecanismos e procedimentos
internos de integridade, auditoria e incentivo
à denúncia de irregularidades e na aplicação
efetiva de códigos de ética e de conduta,
políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades
e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira”.
Qual a importância da matéria?
O Programa de Integridade busca evitar as
práticas antigas e disseminadas da corrupção,
do suborno e do cartel. Trata-se de um novo
momento no acesso ao mercado público. As
práticas ilícitas utilizadas nesta relação entre
empresas e governo sempre foram proibidas.
No entanto, todos os acontecimentos do país
na história recente – como o Mensalão, a
Máfia dos trens e a Lava Jato – despertaram
a atenção para a ilicitude das condutas que
vinham sendo praticadas; e que a punição dos
infratores (pessoas físicas ou jurídicas) é real,
séria e rigorosa. Cabe a todos o direito à escolha: caminhar pela estrada certa ou errada.
Por que o tema ganhou importância nos
dias de hoje? Há maior rigor jurídico? A
imprensa está mais fiscalizadora?
É saudável que as empresas ou corporações
tenham um departamento de Compliance?
Sim, o Departamento de Compliance é o
responsável pela materialização do Programa
de Integridade. É nele que serão organizados
os procedimentos, informações e registros, o
planejamento, o monitoramento permanente
e as soluções para as situações de conflito.
Como os demais setores de uma empresa ou
corporação enxergam o DP de Compliance?
É bem verdade que, após a promulgação
da Lei 12846/13, publicação do Decreto
8420/15, e Portarias 909 e 910 da CGU, a
tendência foi a de interpretar radicalmente a
norma, para estabelecer processos absolutamente rigorosos e engessados, de forma a impedir qualquer conduta da equipe de comando
ou da área comercial que pudesse ser interpretada como ato lesivo à moralidade na relação
entre empresas e governo. Nessa primeira
análise radical, os processos se tornaram tão
rígidos que as equipes de vendas e de novos
negócios se sentiram órfãs ou jogadas aos
leões. Acompanhei painéis em seminários
10 - Revista SESVESP
“Nessa primeira
análise radical, os
processos se tornaram
tão rígidos que as
equipes de vendas e de
novos negócios se
sentiram órfãs ou jogadas aos leões. ”
Dr. Ariosto Mila Peixoto
As empresas multinacionais, acredito,
foram as grandes precursoras do programa
de integridade no Brasil, tendo em vista que,
em seus países de origem, o Compliance já
existia. Evidentemente, os escândalos recentes
deram forte impulso para que as multinacionais instaladas no Brasil e as empresas nacionais voltassem seus olhares para esse tema.
Há maior visibilidade e cuidado no acesso
aos mercados públicos. A sociedade parece
ter acordado e se interessado pelos problemas políticos, acompanhando ativamente
investigações sobre corrupção. A imprensa
vem dando espaço considerável ao assunto,
as redes sociais em constantes debates, mídias divulgam “on line” julgamentos do STF
e do Congresso, ou seja, não existe um protagonista para tudo isso, e sim um conjunto
de fatores que modificaram nossa forma de
acompanhar e interpretar os fatos políticos.
Qual a importância da Operação Lava
Jato para o dia a dia das relações comerciais das empresas ou corporações?
A operação Lava Jato, sem pretender
adentrar na análise técnica dos procedimentos de investigação e julgamento, deflagrou
um marco divisor em nosso país. O Mensalão talvez tenha sido o primeiro símbolo
da quebra do paradigma da impunidade. Na
sequência, a Lava Jato, com maior dimensão
e escala, rompeu fronteiras de territórios
ainda não visitados pela polícia, Ministério
Público e Poder Judiciário. Foram muitas
condenações em períodos curtos. Réus confessos e condenados foram presos ou tiveram
suas penas reduzidas em troca das delações.
Tudo isso lançou à sociedade a imagem de que
existem órgãos de controle, e que as infrações
à ordem legal terão duras consequências.
Obviamente, as corporações estão atentas aos
acontecimentos. E é notório que o desvio à
lei pode produzir prejuízos imensuráveis tanto
financeiros quanto à imagem da companhia.
Empresas envolvidas e condenadas por corrupção ou por práticas anticompetitivas estão
sendo punidas com multas altíssimas, publicidade negativa, impedimento de contrato
com o poder público, proibição a empréstimos ou subsídios etc. Portanto, as empresas
que mantêm relação com o governo, devem
criar procedimentos para coibir condutas
ilegais que podem, no dia a dia, estar sendo
praticadas por seus colaboradores, dirigentes, terceirizados, ou qualquer um que venha
a ter relação de trabalho com a corporação.
“A operação Lava Jato,
sem pretender
adentrar na análise
técnica dos
procedimentos de
investigação e
julgamento,
deflagrou um
marco divisor em nosso
país.”
Quais os efeitos práticos do Compliance?
Ter um programa de integridade instalado
e em operação na empresa a mantém afastada
de uma série de problemas. É notório que, no
momento, é recomendável cautela e procedimentos mais conservadores. Qualquer conduta mal interpretada (a história nos faz lembrar
a célebre frase: “à mulher de César não basta ser honesta, deve ser e parecer honesta”),
pode dar início a investigações ou procedimentos de controle que venham prejudicar
a imagem da companhia. Obviamente, o
prejuízo à imagem vem associado à perda
financeira. Se, por um lado, o Compliance
equivale a um procedimento preventivo, por
outro também auxilia na defesa e na atenuação de eventuais penalidades, caso a empresa venha a ser envolvida em algum escândalo.
Uma empresa que não tenha Compliance
terá restrições?
Atualmente, somente alguns segmentos
impõem restrições às empresas que não
possuem Compliance. Por exemplo, na
área da saúde, especialmente no ramo
farmacêutico, empresas que não possuem
programa de Compliance vêm sofrendo
restrições ou impedimentos na contratação
com os laboratórios nacionais e multinacionais. Outro exemplo são as empresas que sofreram o trauma da operação
Lava Jato. Algumas delas, depois de sofrerem
altíssimas perdas financeiras, impacto negativo na imagem, assim como experimentarem o
amargo sabor das penas restritivas de liberdade,
começaram a adotar rígidos padrões de comportamento de dirigentes e colaboradores. Certamente, o programa de integridade dessas
empresas exigirá comprovação do Compliance dos terceirizados como condição
de contratação. Portanto, se ainda não é
uma condição de manter-se competitivo, o
Compliance seguramente já é um diferencial no mercado. E não tenho dúvida que,
em um futuro próximo, o Compliance será
uma exigência para que a companhia se
mantenha viva entre os grandes players.
Revista SESVESP - 11