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impressão de que já existe, na realidade, u m modelo para este tema e que o tema
apenas se lhe aproxima, lhe corresponde, se esta parte for repetida? Ou terei que
proferir a inanidade: „soa ainda mais belo que a repetição‟? (Vê-se a propósito, o
papel idiota que a palavra „belo‟ desempenha em estética.) Apesar de tudo, não há
qualquer paradigma além do próprio tema. E contudo há, de novo, um paradig ma
para além do tema: a saber, o rit mo da nossa linguagem, do nosso pensamento e do
nosso sentir. E, ademais, o tema é u ma parte nova da nossa linguagem; incorpora-selhe; aprendemos um novo gesto. (WITTGENSTEIN, 2000, p. 81)
Aquele que ouve a música percebe a música e não um aglomerado de regras. O mesmo
acontece com aquele que recita um belo poema. Por isso a repetição é necessária, por ser um
elemento que insere na música ou no poema a sua força, possibilitando que a música ou o
poema se tornem um novo gesto, passível de ser comunicado e aprendido por aqueles que
estão nos arredores da obra. Nesse sentido, torna-se evidente a mudança de perspectiva
efetuada pelo filósofo:
Se anteriormente se tinha visto que a obra de arte era de um ponto de vista cognitivo
pertinente por ser um exercício perceptivo de notar um aspecto, aqui está a ser
sublinhado o modo como que u ma obra de arte se incorpora na vida e, assim, se
torna uma nova parte da linguagem, u ma nova expressão. E ao ser u ma nova
expressão o único modo de a poder compreender e aprender é olhando para o modo
como é utilizada e aplicada e aprender a partir daí. (CRESPO, 2011, p. 329)
O que parece estar em evidência nessa nova perspectiva é o pragmatismo
wittgensteiniano, defendido nas Investigações Filosóficas. A experiência e o valor da obra de
arte não podem ser expressos por meio da linguagem e, principalmente, não estão reduzidos a
um sistema de regras externas a ela. É nesse ponto que surgem as maiores dificuldades para
todos aqueles que desejam explicar a experiência artística com rigor, pautando-se em critérios
assentados no princípio de causalidade.
O objetivo repousa no olhar que leva em consideração o contexto próprio da arte, os
jogos de linguagem, as regras, as formas de vida, enfim, toda a comunidade hermenêutica da
qual o sujeito que observa e comunica é parte. Comunidade que fala a mesma língua, que
compreende e joga o mesmo jogo, seguindo as mesmas regras. Desse modo, fica manifesto
que “a ligação entre o interesse filosófico de Wittgenstein em „notar aspectos‟ e seu interesse
cultural é simples e direto” (MONK, 1995, p. 468), o que permite aproximar a atividade e a
investigação filosófica com a atividade e a investigação estética: é esse o espaço que a estética
ocupa na filosofia de Wittgenstein.
Redescrições - Revista online do GT de Prag matis mo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 56/69]