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mundo é um conglomerado de pátios desérticos. A imagem do saco de batatas que Marx
usa, em seu 18 de Brumário, para descrever a situação dos agricultores loteados na
França é a primeira descrição do estado da espuma molhada. Cada célula flutua
passando pelas outras, cega para o seu ambiente compartilhado, sem tocar na outra,
apesar de todas as suas similaridades.
Quanto da constituição psicossocial do espaço permanece na metáfora da
espuma, e o que permanece da perspectiva construtivista de constituir espaço?
A espuma, em minha opinião, é uma expressão muito útil para aquilo que os
arquitetos chamam de densidade – ela mesma um fator negentrópico. A densidade pode
ser expressa em termos psicossociais por um coeficiente de irritação mútua. Pessoas
geram atmo-sfera (atmo-sphere) exercendo pressão mútua umas nas outras, empurrando
umas as outras. Nós nunca devemos esquecer que aquilo que chamamos “sociedade”
implica o fenômeno de vizinhos não bem-vindos. Então, densidade é também uma
expressão para nosso excessivo estado comunicativo, e, incident-almente (incidentally), a ideologia de comunicação está repetid-amente (repeat-edly) nos instigando a
expandi-lo ainda mais. Qualquer um que leve a densidade a sério, em contraste, finda
por reconhecer o valor de paredes. Essa observação não é mais compatível com o
modernismo clássico, que estabeleceu o ideal de habitação transparente, o ideal de que
as relações de dentro deveriam ser refletidas nas relações de fora, e vice-versa. Hoje,
estamos novamente colocando em primeiro plano um modo em que uma construção
possa se isolar, embora isso não possa ser confundido com sua solidez. Visto como
fenômeno independente, o isolamento é uma forma de explicação das condições de
convivência com vizinhos. Alguém deveria escrever um livro reconhecendo o valor do
isolamento, descrevendo uma dimensão da coexistência humana que reconheça que as
pessoas também possuem uma necessidade infinita por não comunicação. Todas as
características ditatoriais da modernidade se originam de uma antropologia
excessivamente comuni-cativa (communi-cative): por tempo de mais, a noção
dogmática de uma imagem excessivamente comunicativa do homem foi ingenuamente
adotada. No que se refere à imagem da espuma, você pode mostrar que as formas
pequenas nos protegem da fusão com a massa e com as correspondentes
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano VI, nº 1, 2015 [p. 86/105]