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Dessa maneira, a linguagem que usamos todo dia, sua força variável dentro de
um campo social que não é menos repleto de variações (e a relevância disso para uma
filosofia da linguagem)4, é colocada à mercê de sua própria prática (“não foi feita para
conduzir provas”), sendo portanto defeituosa (“os defeitos que brotam disso...”). Mas
não fica muito claro como se dá a relação de comprometimento entre agentes em
comunicação, e essa rejeição – entendida como conseqüência de uma pretensão
explícita do autor, qual seja, a de fundar na lógica-matemática uma filosofia da
linguagem – ela funciona, todavia, como anulação prematura do frutífero encontro que a
filosofia pode encetar com o que não é filosófico (e com o que não é científico), e uma
filosofia da linguagem afeita a uma abertura dessa amplidão encontraria, por exemplo,
nos textos de escritores loucos ou dos que inscrevem a loucura em sua escrita, material
formidável de análise. Mas sobre isso discorreremos à parte.
Pressuposto II – Um espaço acusticamente controlado para que o audiente seja capaz
de ouvir com nitidez o que fala seu interlocutor.
Este talvez seja o pressuposto mais instigante, precisamente porque ele se mostra
em momentos estranhos. É patente que todos aqueles sujeitos que emitem seus juízos ao
longo do livro de Evans, sujeitos sem face e sem história, não fazem senão falar, com
correta pronúncia, o que lhes é devido falar; e ao falarem há quem os escute sem ser
interrompido por ruído algum. Parece-nos, apenas, que a teoria da comunicação, em
Evans, só é possível num local em que todos possam se ouvir com nitidez e perfeição,
até o fim da sentença ou do raciocínio. Qualquer situação que escape dessa espaçotemporalidade ideal é peremptoriamente eliminada. Ao menos dois exemplos, retirados
do livro de Evans, mostram o que estamos dizendo: o primeiro, de alguém que ouve um
pedacinho de conversa com o nome de uma pessoa desconhecida e não pode, então,
desempenhar a função de “vínculo adequado em cadeia alguma de transmissão de
conhecimento”5. E o segundo, em que alguém, n'algum lugar não dito, escuta dizerem
que uma pessoa desmaiou mas não sabe quem foi e, na mesma hora, sussuram-lhe no
4
Como definia Antoine Meillet cem anos atrás, citado por William Labov (2006, p. 11): “A
linguagem é uma instituição com sua autonomia própria: portanto devemos descobrir as condições gerais
de desenvolvimento a partir de um ponto de vista puramente lingüístico, e é este o objeto da lingüistica
geral, com suas condições anatômicas, fisiológicas e psíquicas... mas a partir do fato de que a linguagem é
uma instituição social, segue-se que a lingüística é uma ciência social, e a única variável a que podemos
nos voltar para dar conta da mudança lingüística é a mudança social, de que as variações lingüísticas são
apenas conseqüências”.
5
(EVANS: 1982, p. 387).
Redescrições - Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 77 a 89]