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uma nova sugestão, um estímulo a novas investigações. O pragmatismo de Rorty limpa
o
matagal
epistêmico
e
metodológico
formalista,
igualmente
filosófico
representacionista, permitindo que outros plantem uma nova floresta neste terreno 71.
Cabe agora tentarmos (re-)semear possibilidades de emprego do termo “direito”. Refirome aqui ao uso relacionado a prática conversacional, proposto indiretamente por Rorty,
mas enriquecido por noções relacionadas ao saber e à habilidade das pessoas que lidam
(ou trabalham) com o termo, mais especificamente juízas, advogadas, defensoras
públicas e outras. Penso que, na solução de conflitos, toda a extensão do agir
profissional de uma jurista deve ser considerada. Falo aqui do tipo de educação (formal
e sentimental) que teve, de sua capacidade de se relacionar discursivamente com seus
semelhantes, de sua experiência na prática social, o que, ao fim, lhe concederia um dado
“saber prático”.
Por isso, neste entender, a aplicação do termo “direito” (ou “justiça”) seria de
caráter prático, relacional, contingente e sujeito ao momento histórico que uma
sociedade vive. Seu emprego, nos contextos de casos onde há conflitos, derivaria de
uma habilidade prática por parte dos jurisconsultos que poderia ser chamada de
“artística”, pelo fato de não apenas ter que se modelar as circunstâncias e narrativas,
mas por ter que, em cada caso prático jurídico, recolocar (metaforizar) sempre de novo,
mas de modo diferente, vocábulos como “justiça”. Esta seria uma arte de conveniência
da justeza, do ajuste de termos às narrativas de um processo judicial e de aplicação da
experiência às situações. Esta poderia ser a descrição do direito como arte que aqui
proporia. Esse é o tipo de direito semelhante ao apontado por alguns juristas romanos do
período tardio. No meu entender, eles conferiram uma das melhores descrições sobre o
sentido do vocábulo “direito” e que lembra a vertente do saber derivado da educação
sentimentalista, descrita por Rorty. Para Celso (Publius Iuventius Celsus) o direito é
uma arte do bom e do justo, literalmente: Ius est ars boni et aequi. Tal descrição é
explicada por outro importante jurista romano, Ulpiano (Eneus Domitius Ulpianus)
(Dig. 1, 1, 1):
71 Sobre a metáfora em questão, ver o comentário de Posner e a citação de Keats, empregados
por Rorty, sobre as funções do neo-pragmatismo. Cf. RORTY, 1999, pp. 96-97.
Redescrições – Revista online do GT de Pragmatismo, ano V, nº 3, 2014 [p. 7 a 48]