REVISTA RABISCOS DE CONTOS Revista Rabiscos de Contos IFBA | Page 6
rabiscos de
contos
Alma dilacerada
Allana Luisa
São 4h40 e Rosana, mãe de Adriano, chama: “Adriano, meu filho, você conseguiu,
acorda! ”. Ela se referia à vaga em um dos melhores colégios, o da polícia militar de Feira
de Santana. Ele, animado, se levantou. Havia vencido apenas uma batalha, faltavam
muitas outras; enfrentar ônibus lotado e seu primeiro dia de aula era algumas delas. Então,
ele vai à luta com certeza de vitória. Após tomar seu banho, tomar seu simples café com
pão e pôr a farda, pega o ônibus. Ao chegar ao colégio, não há moleza. Nem momento
para se conhecerem. O que há são professores exigentes e aulas cansativas, além do medo
de não de não dar conta, pois talvez não seja o mais inteligente. Sua manhã termina com
um intenso treinamento militar e, mesmo cansado e com medo, ele está feliz, ainda sem
acreditar que conseguiu chegar ali. Sua maior batalha é quando chega em casa. Seu irmão
André ainda não chegou da festa do dia anterior e sua mãe está desesperada. Adriano sabe
que ele é irresponsável e, como já dizia sua avó, “se envolve com o que não presta”. A
cada festa que ele vai, a cada lágrima que Rosana derrama, a cada vez que ele leva drogas
para casa, Adriano tenta encontrar forças para estudar e ser melhor. O telefone toca.
Rosana atende e começa a chorar. É comum que ela sinta isso pela emoção de escutar a
voz de André após 24 horas – que para uma mãe dura uma eternidade. Mas esse choro
era diferente, tinha desespero. Ao desligar, não parava de repetir: “sou a culpada! Sou a
culpada! Culpada”. Adriano se arruma rápido, pois precisa ajeitar os detalhes do enterro.
Overdose!
Ninguém nunca está preparado para perder alguém. Principalmente se esse alguém é o
seu irmão de 19 anos. Principalmente se esse alguém era um dependente químico. Talvez
ele gritasse por socorro a tempos. Ou, quem sabe, fosse apenas curtição. No embalo do
momento, misturou tudo e morreu. Agora, era apenas Adriano – 16 anos, negro,
trabalhador e estudante, junto à sua mãe – negra, desempregada, mas fazendo “bicos”, e
uma dor imensa por perder um de seus filhos para as drogas; a dor da alma dilacerada,
sentindo-se culpada. Mas ela não era a culpada. Entenderia isso algum dia. Ou não.
5