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rabiscos de
contos
O dedo do meio
Geise Santos
Era domingo, dia de almoço em família. Aff! Detesto! Sabe aquela chatice? Então, papai
e titio gritando em frente da TV, como se a coitada fosse reproduzir os gritos para os
jogadores de futebol. Primos birrentos e mimados que a todo o momento arrumam uma
confusão. E eu, como sempre, em meu quarto, cheio de ursinhos de pelúcia na prateleira,
deitada na cama com os pés na parede azul, com um par de meias coloridas. Estava de
cabeça para baixo, olhando pra TV enquanto falava com Crist e ouvia BT'S num volume
em que eu pudesse ouvir os dois. Ah! Crist é minha namorada. Namoramos há quase três
anos. Porém, apesar de tanto tempo, nem todos sabem, digo, apenas minha família não
sabe. Nem imagino qual seria a reação deles. Mas já estava tudo esquematizado. Eu e a
Crist nos conhecemos em uma have. De lá pra cá nossas vidas já não eram mais as
mesmas. Me encantei quando a vi pela primeira vez. Aliás, me encanto toda vez que a
vejo. Ela era caloura e agora minha é vizinha. Seu pai agora é gerente da famosa empresa
de chocolates.
– Filha! – Mamãe me chamou. A ignorei, pois acertava algo com Crist. Acreditávamos
que seria o ponto final do segredo "obscuro".
– Mônica, desça aqui agora! – Ela estava enfurecida, pois não suporta chamar mais de
uma vez.
– Preciso ir, me deseje sorte – eu disse a Crist.
– Boa sorte! – retrucou.
Desci as escadas enquanto me preparava psicologicamente para suportar aquela família
tóxica! Senti olhares de repugnância e desgosto sobre mim. É que não sou de usar
vestidos, muito menos batom. Não que isso faça com que eu deixe de ser uma garota.
Gosto mesmo de ser assim. Sinto-me feliz com os shorts folgados e o casaco repetitivo,
sem nenhum vestígio feminino.
– O que eu queria mesmo que vocês parassem de me olhar com rejeição e de dizer o que
eu devo ou não vestir. Isso diminuiria bastantes os meus problemas! – disse naquele
momento de interminável silêncio julgador.
– Mas minha filha, ninguém teve intenção de te machucar. Aliás, acho o máximo seu
look! – Falou ironicamente tia Clôtilde, me apunhalando pelas costas.
– Dane-se! – retruquei. – Apenas quero esclarecer a dúvida de todos vocês: não gosto de
uva, mas sim de morango! – Estava com a barriga gelada e olhos vermelhos, pensando se
não fui rebelde demais. Corri até a casa da Crist. Quando ela apareceu, me debrucei em
seus braços, senti seu calor, seu cheiro.
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