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Uma boa pessoa
Cláudio Rodrigues Mendes Filho
Segunda-feira. Mariana, 27 anos, solteira, leonina e feliz, morava sozinha em um
apartamento de classe média. Acordava todos os dias as seis para uma caminhada. Neste
dia não seria diferente. Escovou os dentes, tomou banho e se vestiu com roupas de
ginástica, levando na mochila roupas sociais que usaria no trabalho. No parque da cidade,
comprou pipoca e deu um pouco aos pombos. Uma boa pessoa. Já perto das nove, foi à
padaria comer um pão e tomar um cafezinho sem açúcar. Pegou os dois com pressa das
mãos do padeiro, pois estava quase atrasada. Deixou o homem ficar com os dois reais de
troco. Uma boa pessoa. Se preparava psicologicamente para a pressão do escritório. Após
um longo dia de trabalho, Mariana chegou ao seu prédio estressada, a ponto de ignorar o
tímido “boa noite” do porteiro. Ainda era uma boa pessoa, só teve um dia cheio. Pobre
Mariana. Usando seu celular, fez uma postagem sobre preservação do meio ambiente e
proteção às tartarugas marinhas, antes de cair no sono. Um dia cheio, mas sem nada de
diferente. Dormiu como uma boa pessoa.
Quarta-feira. O dia começou com chuva e trovões, fazendo Mariana voltar a dormir. Já
perto das nove, com o tempo aberto e com lindos raios de sol entrando pela janela, era o
momento ideal para o pão com café de sempre. Setembro havia começado no dia anterior,
então tons de amarelo seriam praticamente obrigatórios nas roupas sociais de Mariana.
Realmente uma boa pessoa. Chegando à padaria, uma desagradável surpresa: “Fechada
por tempo indeterminado”, era o que dizia no papel preso à grade que bloqueava a entrada,
ao lado da cópia de um atestado. O padeiro estava de licença. Mas que absurdo! Ele mora
num quartinho atrás da padaria. Só pode ser corpo mole! Mariana atraiu olhares com sua
reclamação em alto e bom som. Ainda era uma boa pessoa, só não tinha tempo para
comprar em outro lugar. Teria que trabalhar sem se alimentar. Depois da meia-noite,
Mariana chega encharcada no prédio em que morava. A trégua da chuva havia durado
tanto quanto sua paciência. Que dia! E onde estava o porteiro para lhe oferecer uma toalha
ou ajudar a carregar sua bolsa? Tudo estava dando errado! Mariana não teve paz nem
dentro de seu apartamento. Por que o casal vizinho discute tanto? Talvez a mulher traia o
marido. Pelo menos é o que dizem os boatos. Antes de dormir, Mariana fez uma bela
publicação sobre o setembro amarelo. Dormiu estressada, mas como uma boa pessoa.
Sexta-feira. Um dia cinzento, mas só com nuvens. Era como se todas as cores tivessem
sido desbotadas pelas chuvas dos dois dias anteriores. Talvez realmente tivessem.
Mariana se levantou da cama sem um pingo de disposição e resolveu dar uma conferida
no noticiário da manhã. A primeira notícia era sobre um suicídio no bairro em que ela
morava. Ficou curiosa, mas queria ir mais cedo à padaria nesse dia. Talvez o padeiro
tenha resolvido trabalhar. Bateu a porta de seu apartamento ao mesmo tempo em que sua
vizinha. Tornando inevitável um “bom dia” por parte das duas. Mariana logo se lembrou
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