"Tenho o melhor emprego do mundo. E se eu não estiver feliz, será por falta de imaginação, certeza!"
vBourdain acredita que foi-se a era do menu degustação de quinze pratos. Ele é um apóstolo da comida de rua, e Hanói se destaca por sua cozinha a céu aberto. Pode-se até aventar a hipótese de que metade da população está sentada em torno de fogueiras, debruçada sobre tigelas fumegantes de phở. Enquanto o pessoal da Casa Branca planejava a logística da visita de Obama, uma equipe da Zero Point Zero, a produtora do programa, esquadrinhava a cidade à procura do lugar perfeito para comer. Escolheram o Bún chả Hương Liên, um estabelecimento estreito em frente a um karaokê, numa rua movimentada do Bairro Antigo. A especialidade do restaurante é bún chả: noodles com linguiça defumada e barriga de porco à pururuca, servidos num caldo levemente agridoce picante.
Na hora combinada, Obama desceu da Besta e entrou no restaurante, precedido por um par de agentes do Serviço Secreto que lhe abriam o caminho, verdadeiros zagueiros a bloquear os avanços de um atacante. Num salão nos fundos do segundo andar, Bourdain o esperava ao lado de uma mesa de aço inoxidável, rodeado por comensais muito previamente instruídos a ignorar as câmeras e o presidente. Como muitos restaurantes no Vietnã, o lugar era extremamente informal: fregueses e garçons pisavam em restos caídos no chão, as lajotas exibiam uma pátina encardida que rangia sob as solas dos sapatos. Obama, vestindo uma camisa branca com o primeiro botão desabotoado, cumprimentou Bourdain, sentou-se num banquinho de plástico e foi muito receptivo a uma garrafa de cerveja vietnamita.
“Com que frequência o senhor dá uma escapada para uma cervejinha?”, Bourdain perguntou sorrindo meio bobo.
“Não consigo escapar, não tem como”, Obama respondeu. Vez ou outra ele levava a primeira-dama para comer fora, explicou, mas “parte do prazer de um restaurante consiste em sentar com outros clientes e curtir a atmosfera, e quase sempre acabamos sendo conduzidos a uma daquelas muitas salinhas privativas.”
Enquanto uma jovem garçonete de camiseta polo cinza lhes servia uma tigela de caldo, um prato de verduras e uma travessa de noodles trepidantes, Bourdain pescou um par de hashis do porta-talheres de plástico sobre a mesa. Obama, examinando os componentes da refeição, revelava certa apreensão: “Muito bem, vamos ter que…”
“Vou ajudá-lo na travessia”, Bourdain o tranquilizou, aconselhando-o a apanhar um feixe de noodles com os hashis e embebê-los no caldo.
“Vou te imitar”, disse Obama.
“Mergulhe o macarrão e mexa”, aconselhou Bourdain com muita sabedoria. “E prepare-se para o que virá.”
À visão de uma linguiça boiando no caldo, Obama perguntou: “A gente pega ela toda, ou você acha que deveríamos ser, vamos dizer talvez um pouco mais…”
“Sorver fazendo barulho é totalmente aceitável nesta parte do mundo”, declarou Bourdain.
Obama se serviu de um bocado e deixou escapar um gemido. “Que coisa boa”, disse, e ambos – aqueles dois sujeitos esguios, descolados, maduros – passaram a sorver ruidosamente o caldo enquanto três câmeras, que Bourdain uma vez comparou a “beija-flores bêbados”, pairavam em torno deles. Envolto pela rusticidade do momento, Obama se lembrou de uma refeição memorável, quando criança, nas montanhas nos arredores de Jacarta. “Havia aqueles restaurantes de beira de estrada com vista para as plantações de chá”, rememorou. “Tinha um riozinho que atravessava o restaurante, com aqueles
peixes, aquelas carpas. Você escolhia o peixe. Eles pescavam e fritavam, e a pele ficava bem crocante. Era servido com uma porção de arroz.” Obama estava falando a língua de Bourdain: mundana, viva, sem firula. “Era a comida mais simples possível, e não havia nada mais gostoso.”
Mas o mundo está ficando menor, disse Obama. “As surpresas, as descobertas de viagem, encontrar alguma coisa fora do habitual, já não restam muitos lugares assim.” Acrescentou, com nostalgia: “Não sei se aquele lugar ainda estará lá quando minhas filhas tiverem idade para viajar. Tomara que sim.” No dia seguinte, Bourdain postou na internet uma foto do encontro. “Custo total do jantar com o presidente: 6 dólares”, tuitou. “Paguei a conta.”
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