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Como se isso fosse pouco, você começou a agenciar artistas. Como foi isso? O banco comunitário foi um grande treinamento para a gente poder trabalhar um fluxo financeiro no qual a gente pudesse financiar os nossos próprios livros, discos e roupas. Por isso, somos o primeiro banco que empresta para a cultura de São Paulo. Aqui estão o Sarau do Binho, Sarau da Cooperifa, Racionais MC’ s, Mano Brown, Ice Blue, Ferréz, Raquel Trindade, Neide Abate, Marcos Pezão... Entendeu? A periferia é muito cultural. Vimos que investir nisso daria um bom arranjo produtivo local.
Como é esse trabalho? Nós temos uma carteira de artistas. Vendemos o trabalho deles para eventos como a Virada Cultural e o Sesc. O cara entra numa porta querendo fazer o livro e sai em outra porta com o livro para vender. Aqui na comunidade mesmo eu contrato o designer, o jornalista, a gráfica e encontro o local para a venda. Assim, eu fortaleço o arranjo produtivo local. De 2012 até hoje houve um amadurecimento dessa base, tanto no fomento, com dinheiro na mão do artista, como na produção, com os serviços de apoio ao artista.
De onde surgiu a ideia de agenciar os artistas locais? Era sempre uma dor de cabeça contratar alguém na periferia.“ Ah, a gente não tem documento
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...”. Aqui, a gente vive tendo enchente, então às vezes o documento do cara é perdido assim... Às vezes o artista não é nem MEI [ Microempreendedor individual ], não tem nem CNPJ. Os curadores dos eventos culturais viviam perguntando:“ Cadê a periferia? Cadê os índios?”. Agora, a gente tem tudo pronto aqui.
Mais tarde, surge o Festival Percurso. Como foi isso? O Festival Percurso é um evento que a gente realiza na periferia e onde já tocaram Racionais MC’ s, Seu Jorge, Flora Matos, Rico Dalasam, BaianaSystem. É o nosso Rock in Rio ou Lollapalooza da quebrada. Por que eu faço isso? Porque ninguém aqui tem dinheiro pra pagar esses shows. Tivemos 10 mil pessoas este ano.
Você paga algo pra eles? Ah, eu pago, né, mano. É um evento de economia solidária, temos de pagar todo mundo. Olha ali na parede, minha mãe virou um cartaz [ pausa ]. Estou devendo até hoje para o Mano Brown. Mas um dia eu vou pagar.
Parece que seus negócios sempre nascem com as demandas reprimidas das periferias. Faz sentido? Todos os negócios que estão aqui dialogam com a falta de algo. Faz um tempo eu também criei um armazém de orgânicos. Insisti nisso para combater os desertos alimentares da região. Os desertos alimentares existem quando
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AUMENTE O SOM Escute a música Periferia, de Negra Li e Mano Brown |
uma pessoa precisa andar mais de 1 quilômetro para encontrar comida in natura. Nós aqui não temos hortifrúti, Pão de Açúcar ou St Marche. Aqui é preciso andar pra caralho para conseguir alface, batata ou tapioca. A periferia vive hoje uma especulação imobiliária e as feiras de rua estão diminuindo. Tudo aqui dialoga com uma demanda. Não tem nada pra inglês ver. Ao contrário, o que a gente faz é subverter a necessidade do financiador. O investidor vem aqui com a cabeça de quem vai investir em projetos para a sustentabilidade da camada de ozônio e a gente pergunta:“ E a enchente? E a violência? E o direito à cidade? E a alimentação? E a geração de renda?”.
Como você vê os investidores de negócios sociais? Existe um problema anterior, que é a falta de visibilidade dos empreendedores da periferia, dos empreendedores negros, das mulheres negras. Às vezes parece que nós não existimos. Por isso, o dinheiro não chega na quebrada. Existe um racismo institucional, um preconceito, uma desconfiança. O dinheiro chega aqui de forma indireta. Às vezes o dinheiro de algum fundo cai nas mãos de uma galera que está ali na JK [ avenida Juscelino Kubitschek, na região onde está a elite do capital financeiro ] e diz representar a periferia. Daí esse pessoal me liga pedindo ajuda
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