Revista Municipal_v2 Municipio de Gouveia_Revista N29_LowRes | Page 53

53 PATRIMÓNIO GOUVEIA | REVISTA MUNICIPAL Através da fotografia aérea, percebemos a centralidade do Largo do Castelo. No da fronteira da Beira, com o reino de Leão, no Tratado de Zamora, em 1297, que topo do cabeço onde assenta o bairro, na margem esquerda da ribeira Ajax. Daí, empurrou para leste do Rio Côa, o confinamento que ainda hoje existe entre os os arruamentos seguem, concentricamente, abraçando o largo, distanciando-se países peninsulares. do mesmo, em direção às ruas da República e da Cardia, que corresponderão ao Até à Época Moderna não conhecemos mais referências documentais diretas à es- limite do burgo muralhado. Assim, uma das entradas para o burgo é-nos intuído trutura, nomeadamente, até à missiva do monarca D. Pedro II, enviada à vereação pela presença da cadeia e do pelourinho (na toponímia - Rua da Cadeia Velha gouveense de então, pedindo que se limpasse e alumiasse o castelo, pois, a sua e Largo do Pelourinho), na transição da Idade Média para a Moderna, alterado, irmã, Catarina de Bragança, após enviuvar de Carlos II de Inglaterra, regressava à significativamente, nos alvores da contemporaneidade, com o Solar dos Serpa corte portuguesa, entrando pela província da Beira em 1693, permanecendo por Pimentel (atual Biblioteca Municipal Vergílio Ferreira). A Casa da Câmara (Casa cá uns dias. Gauvex) setecentista também ainda aí existe. A necrópole rupestre, identifica- A memória documental do castelo volta a fugir-nos por entre os dedos, até da nos anos 1930 na Praça de S. Pedro e Ladeira do Paixotão, indica uma rela- à 3ª invasão francesa, no âmbito da Guerra Peninsular, em 1811, momen- ção espacial próxima entre os espaços dos vivos e dos to em que a destruição final terá ocorrido. Apesar de, mortos. Sobre o cadastro atual, consideramos relevante provavelmente, a estrutura já se encontrar em ruína e mencionar três eixos viários que ainda hoje conduzem o desatualizada militarmente à época, sabemos ainda, transeunte ao bairro: a Rua Nova, pela Travessa do Pas- por diversas publicações de diários de oficiais france- sadiço, a nascente; a Rua da Carreira Velha, através da ses e ingleses da época, que o Gen. Wellington este- Biqueira, a norte; e a Rua Direita, através da Travessa de ve em Gouveia a 13 de outubro de 1810 e as tropas S. Pedro, a sul (fig.1). Estes espaços, em articulação com napoleónicas passaram por aqui nos finais de março o núcleo urbano, apontam aos eixos de circulação anti- de 1811, durante a retirada da dita invasão, causando gos, nomeadamente, estabelecendo as relações viárias grande destruição em diversas localidades do conce- mais remotas entre a localidade, a montanha, o vale do lho e outras, espelhada na terrível destruição da Igreja Mondego e o planalto beirão. Estas observações, decer- de São Julião e do estandarte da família Silva, primei- to simplistas, acabam, ainda assim, por integrar-se em ros marqueses de Gouveia, e à época, brasão oficial contextos históricos e culturais, escassos até à data, que da localidade. nos despistem a origem e desenvolvimento da estrutura Todas estas informações acabam por não encontrar eco urbana da localidade. na arqueologia, pois nunca houve uma intervenção ar- O foral atribuído por D. Sancho I, em 1186, não menciona queológica direcionada à investigação. Apesar de alguns a organização urbanística da localidade, porém, a indi- achados surgirem das entranhas da terra na década de cação de que o monarca entrega o foro aos povoadores 1950, durante a abertura de valas para saneamento bá- novo, e aos que já ali viviam demonstra que a localidade sico, estes remetem-nos para o período proto-histórico, estava estabelecida, apesar da instabilidade ocorrida nos lançando para +/- três milénios atrás a presença do ser séculos anteriores, nomeadamente, até à conquista definitiva deste território por humano em Gouveia. São eles um conjunto de três potes com restos de ossa- Fernando Magno, em 1055, aos muçulmanos da taifa de Badajoz. A fortaleza das humanas incinerados (fig.2), no que aparenta ser uma necrópole, para os passa a integrar, então, a rede de castelos que protegia a via colimbriana, em primeiros gouveenses. articulação com outros castelos conhecidos na encosta norte da Serra da Estrela Deste modo, a arqueologia poderá ser o maior aliado da história da nossa cidade. até Coimbra, definindo uma fronteira geográfica, entre cristãos e muçulmanos, ao É importante reforçar a ideia de que a arqueologia não é inimiga do progresso. longo do Rio Mondego e do sistema montanhoso. É sim, um aliado no desenvolvimento, é um agente produtor de conteúdos que Ainda assim, a menção documental mais antiga para a estrutura militar gou- devolverá à comunidade a nossa história coletiva, se feita com rigoroso método veense surge numa referência a Gaudela, na Bula Offici Nostri do Papa Inocêncio científico. Com os olhos postos no turismo cultural e na criação de laços afetivos II, de 1135, onde se mencionam os “(…) castrum Senam et Gaudelam et cum com os objetos do passado que, em última instância, representam a construção Celoricum (…)”. A referência à palavra castrum é de índole militar, a uma forta- da nossa identidade cultural, que poderá não ser única, mas é, ainda assim, nossa leza. Fortaleza que terá caído em desuso, numa primeira fase, após a definição para valorizar.