REVISTA MIRADAS INTERNACIONAL BRASIL EDICIÓN #05 | Page 70

Rei Oliver é um rapaz ocupado. Por isso, a caminho do trabalho, durante o percurso Santana-Anhangabaú com baldeação na Sé, ele folheia seu jornal matutino: “Dólar comercial a R$ 0,98”, “Pela primeira vez polícia se antecipa à ação do PCC”, “Restauração da Pinacoteca”...

Logo, Rei Oliver é mais um pedestre, entrando na Consolação e passando pela biblioteca Mário de Andrade, pela Paróquia Nossa Senhora da Consolação e pela travessa Caio Prado. Antes do prédio da Justiça, está a escola pública, onde ele trabalha como professor. Nesta sexta-feira, em especial, uma hora depois, ele percorre o caminho de volta. Com os alunos devidamente em seus bancos, o ônibus de excursão sai para uma visita ao Colégio São Bento.

Por volta das onze horas, Oliver, seu colega Francisco e mais dois alunos decidem abandonar um pouco a feira expositiva do Colégio e dar um pulinho até a torre do Banespa, bem visível dali. Na sala abaixo da torre, e mais de 40 andares acima, Oliver aprecia as fotos antigas do prédio enquanto os outros ainda assinam o livro de visita e ganham um cartão postal.

“Ei, Reinaldo, vai participar do carnaval?” A indagação veio de Francisco, que aprecia a cidade do alto.

“Combinei com a Ana.” A amiga em comum da época da faculdade. “Ela enche minha secretária eletrônica sobre a escola dela, a Rosas de Ouro. ‘Não se esqueça que faz alguns anos que Rosas de Ouro deixou a vila Brasilândia e está perto da ponte da Freguesia do Ó’. ‘A escola é tricampeã e uma nova vitória é certa’. ‘O samba enredo deste ano é sobre Angela Maria!’ ‘Babalu aiê! Aiê!/ Canta, meu Brasil!/ No embalo da sapoti/ A roseira agita o Anhembi’”.

“Ela sempre foi obcecada”. Francisco ri.

“Cara, você não tem ideia.”

Na verdade, Oliver não desfilará com a escola; apenas será mais um folião na quadra da escola. Ao admirar mais uma vez a vista panorâmica, um ponto lá longe da São João, Rei Oliver deduz que pelo menos parte da avenida poderá ser tomada por foliões de rua neste fim de semana.

No fim do dia, com um suspiro cansado, Oliver desaba no banco do metrô. Ele encosta a cabeça no vidro da janela e observa a imensidão escura do céu e das luzes bruxuleantes dos prédios apesar de ser verão e antes das 18h. A chuva torrencial cai na cidade faz umas duas horas. O metrô passa pelo Carandiru e Oliver abaixa a cabeça. Sob o jornal do dia, está um malote de relatórios dos alunos. Devido à greve do ano passado, a reposição de aula dura janeiro inteiro e o início de ano letivo começa logo depois. Oliver encosta novamente a cabeça com olhos fechados e mais alguns minutos chega à estação Santana.

Seus poucos passos o levam à esquina. Em cima do Mister Sheik, no segundo andar do prédio, fica seu apartamento às escuras. Sua solidão, sua intrepidez e fundamentalmente sua ânsia por situações novas apagam o cansaço e o levam às margens do rio Tietê em frente à escola Rosas de Ouro.

Enquanto Ana se perde na quadra, a esbanjar seu amor pela escola, Rei Oliver participa de sua primeira festa de carnaval sob a chuva torrencial. Bem mais alto do que a média, é um dos primeiros a receber no rosto e nos cabelos rentes e crespos as gotas gordas e grossas da chuva que se confundem com o suor. Nesta noite, pela primeira vez, experimenta o muito tabu beijo com sabor de sapoti.

Carnaval de 94

Ana Lúcia Machado da Silva