Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - Edição Especial 01 | Page 6

LiteraLivre Edição Especial nº 1 Conto Tirado de um Poema Tiago Feijó Guaratinguetá/SP “João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da [Babilônia num barracão sem número” Poema tirado de uma notícia de jornal, Manuel Bandeira. João Gostoso desce as vielas íngremes e irregulares do morro da Babilônia. À sua frente, sob o anoitecendo do céu, pululam as luzes de Copacabana; luzes estas que João não vê, ou vê mas não repara, posto que em seus olhos fixa-se agora a lembrança de outras luzes. As luzes de Ritinha, sorrisonha, metida numa abundância de plumas e brilhos, a devassar o desejo dos homens no furdúncio do carnaval. Carregador de feira-livre, o árduo trabalho dos braços esculpiu no corpo negro de João muitas saliências de músculos e fez brotar nele a força desumana da ressaca das marés. Mas esse corpo, bruto tronco robusto de ébano, é casca falsa que envolve um homem pacífico, erguido em bondades, de mãos de trabalho e carícia. João Gostoso desce o morro, indistinto nos recantos de escuridão, levando na caixa do pensamento a mulata Ritinha, cravo cravado na carne de seu amor, ferida funda que não sabe cicatrizar, envolta nas brumas de um antigo carnaval. Em pouco, João pisa na Avenida Atlântica e se dá conta do mar, um mar de desilusão, e o rumor das vagas enche de mágoas o corpo colosso de João. Mas ele continua a caminhar, visto que tem destino certo de chegada e que o mar, posto assim nos olhos, é como um novo jeito de se afogar. E por agora João quer viver, viver e sofrer as dores inventadas para ele, que todo homem tem lá o seu quinhão e carregá-lo 1