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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
O Incendiário
Joaquim Bispo
Lisboa - Portugal
«Tudo menos troça!» Mauro pediu mais uma cerveja. Mantinha na retina a
imagem da jovem em risinhos e a cochichar com as amigas, na véspera. É claro
que era um falhado, toda a gente sabia isso, mas troça é que não. Para a menina
do papá era muito fácil rir-se dele. Não tivera de passar pela experiência de
dormir debaixo de um viaduto, na vila; não tinha de aceitar o trabalho que
aparecesse, fosse ajudante de trolha, fosse ajudante de cargas, na serração.
Com 19 anos, ele não tinha um telemóvel de jeito, não tinha carro, não tinha
amigos, não tinha nada. Vivia com a mãe viúva, sempre com recomendações,
que se esforçava, mas não lhe dava um mínimo para um rapaz dos tempos
atuais. Às vezes, não lhe dava nem trocos para ir ao café. Ficava a ver televisão
em casa, mundos magníficos tão diferentes da sua aldeia encravada entre
montes cobertos de pinheiros e eucaliptos, revoltado com a sua vida sem futuro.
Saiu do café e acendeu um cigarro. Caminhou na direção oposta da sua casa, ao
longo da estrada iluminada por alguns candeeiros esparsos, que ladeava a
pequena ribeira que atravessava Lage Fundeira, Passou em frente da vivenda de
Carla. Imaginou-a em frente a um computador, a trocar piadas com amigas e
amigos. Voltou a lembrar-se do riso dela. Um incómodo voltou a atravessá-lo.
Prosseguiu até as casas acabarem e sentou-se numa pedra a ouvir a ribeira.
Aquele enorme silêncio, em vez de o acalmar, trouxe-lhe uma visão clara do seu
exílio.
Só,
abandonado,
miserável,
esmagado
debaixo
de
toneladas
de
pasmaceira.
Cheirou-lhe a fumo. Mais uma vez. Na véspera, o fogo andara numa serra não
longe dali. Tinham lá estado os bombeiros e a televisão. Uma animação enorme.
Se tivesse carro, tinha lá ido ver. Acendeu outro cigarro e observou o insinuante
bruxulear da chama do isqueiro. Baixou a cabeça, pensativo.
Quando os bombeiros chegaram, meia hora e tal depois, Mauro observava da
janela de casa o fogo a alastrar pelo mato próximo da zona onde o incêndio tinha
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