Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 144

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 Vida de Lixo Marione Cristina Richter Venâncio Aires/RS Olá leitores, sou um velho cartaz colado num poste, há muito tempo esquecido, e vou lhes contar o que venho presenciando. Um dia vi uma garrafa long neck num meio-fio, deprimida, com um resquício de álcool, sentindo-se abandonada, esquecida, lembrando-se de suas irmãs ainda na “vida loka” das prateleiras com álcool até o gargalo. Lembrava-se quando ainda estava junto delas, se questionando sobre as outras garrafas serem retornáveis e pensando “ de que valia trabalhar a vida toda”? Pois é, esta é a questão, elas têm a vida toda pela frente e não serão jogadas na sarjeta depois de usadas. Próximo ao long neck jazia amassada uma latinha de refrigerante, agonizando depois que um carro passou por cima dela. Tantas outras foram recolhidas para viverem outra história, outra oportunidade de mostrar o seu valor. Como puderam esquecê-la ali, daquela maneira tão descuidada. Ela tinha tanto a oferecer! Alguns tocos de cigarro, descansando inertes na calçada, alheios ao charme dos papéis de balas coloridos, se assustaram com uma sombra que passou sobre eles, mas logo perceberam se tratar de uma sacolinha plástica que, livre de seu fardo de carregar o mundo dentro de si, se deixou levar ao sabor do vento, se deliciando com a liberdade e a leveza, enquanto que no chão muitas latas, garrafas, papéis, plásticos e alguns metais se faziam perdidos à tristeza e ao abandono. De repente, um rodopio no céu e a percepção de uma virada no tempo. Caiu a chuva e por causa do grande volume de água criou-se ondas que arrastaram aqueles mendicantes de meio-fio, quando surgiu a ameaça de um profundo precipício chamado bueiro. Com o medo do afogamento e de serem engolidos por aquela boca sedenta 139