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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
Vida de Lixo
Marione Cristina Richter
Venâncio Aires/RS
Olá leitores, sou um velho cartaz colado num poste, há muito tempo
esquecido, e vou lhes contar o que venho presenciando.
Um dia vi uma garrafa long neck num meio-fio, deprimida, com um
resquício de álcool, sentindo-se abandonada, esquecida, lembrando-se de suas
irmãs ainda na “vida loka” das prateleiras com álcool até o gargalo. Lembrava-se
quando ainda estava junto delas, se questionando sobre as outras garrafas serem
retornáveis e pensando “ de que valia trabalhar a vida toda”? Pois é, esta é a
questão, elas têm a vida toda pela frente e não serão jogadas na sarjeta depois
de usadas.
Próximo ao long neck jazia amassada uma latinha de refrigerante,
agonizando depois que um carro passou por cima dela. Tantas outras foram
recolhidas para viverem outra história, outra oportunidade de mostrar o seu
valor. Como puderam esquecê-la ali, daquela maneira tão descuidada. Ela tinha
tanto a oferecer!
Alguns tocos de cigarro, descansando inertes na calçada, alheios ao charme
dos papéis de balas coloridos, se assustaram com uma sombra que passou sobre
eles, mas logo perceberam se tratar de uma sacolinha plástica que, livre de seu
fardo de carregar o mundo dentro de si, se deixou levar ao sabor do vento, se
deliciando com a liberdade e a leveza, enquanto que no chão muitas latas,
garrafas, papéis, plásticos e alguns metais se faziam perdidos à tristeza e ao
abandono. De repente, um rodopio no céu e a percepção de uma virada no
tempo.
Caiu a chuva e por causa do grande volume de água criou-se ondas que
arrastaram aqueles mendicantes de meio-fio, quando surgiu a ameaça de um
profundo precipício chamado bueiro.
Com o medo do afogamento e de serem engolidos por aquela boca sedenta
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