Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 131

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 aterrorizante de capuz. Formavam uma roda. No meio estava ele feito uma criança ao desamparo. E a roda crescia e se multiplicava. Até que num torvelinho infernal apareceu a imagem de uma faca. Faca sangrenta que cortava a todos. Faca de imolação. Afinal onde estava? Era-lhe oferecido de bandeja a era primeva. O momento primordial. A faca desbastava os excessos dos séculos e o fazia regressar aos primeiros impulsos do mundo. Sua respiração tinha de acompanhar os primeiros fôlegos do universo. Ele estava próximo da coisa. Coisa-essência. O mundo exalava a novidade. Era um banquete de sensações. Não tinha ideia do que fazer com a potência da vastidão. A treva agora cobria todo aquele lugar. Esfregava violentamente as mãos como se fosse um gesto necessário antes de iniciar um grande ritual mágico. Tinha em suas mãos a alavanca do mundo e do tempo. A seu bel-prazer poderia colocar a enorme engrenagem em funcionamento. Dormiu vigiado pelos paredões eternos, como se fossem anjos do paraíso. No dia seguinte levantou os olhos. Eram os primeiros dias da humanidade. Levanta-te e toma a terra. Tudo parecia à espera dele para iniciar a grande marcha. Saiu da rocha como se fosse expelido do ventre materno. Tinha renascido. Estava ainda manchado de sangue. E se naquelas paragens alguém lhe perguntasse daquelas manchas rubras, ele diria que era sangue de nascimento. Sangue da rocha. Puro e vital. 126