Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 105

LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018 O Último Dia César Manzolillo Rio de Janeiro/RJ Amanheceu um dia de sol fraco aquele que viria a ser o último da minha vida. À noite, por volta das sete e trinta, Fubá voltou sozinho e inquieto. Amália logo pensou no mau pressentimento sofrido pela manhã. Sentiu-se culpada, achou que deveria ter tentado me impedir. Denise e Isabel ainda dormiam. Eu me levantei às seis, tomei banho, dei um beijo em Amália, me servi do café preparado por ela, comi uma banana e um pedaço de pão e saí em companhia de Fubá. As últimas semanas estavam sendo desanimadoras. Dragas passariam a ser usadas na busca por ouro e diamantes nos trechos mais inacessíveis. Não vinha conseguindo achar nada realmente valioso, capaz de compensar o sacrifício de trabalhar em condições tão desfavoráveis. Alguns de meus colegas já haviam abandonado aquela parte do rio. Outros estavam prestes a fazer o mesmo. Consumido por dívidas, Ronaldo se matou, Salustiano se afundou na cachaça e vivia vagando pelas ruas sem propósito, enquanto Jorge e Pedro foram atrás da sorte numa cidade vizinha. Eu ainda insistia. Essa situação adversa está por terminar, acreditava. Por volta do meio-dia, resolvi parar para almoçar. Na bolsa, a marmita e também restos de carne e algo mais para o cachorro. Pus-me a repousar embaixo de uma árvore. O raciocínio remoía os acontecimentos, e o descanso não durou muito. Minhas costas doíam, a cabeça pesava. A certa distância, via Belmiro, peneira na mão, exercitando seu ofício enquanto cantarolava um samba antigo. Deixe-me ir Preciso andar Vou por aí a procurar Rir pra não chorar. Fubá começou a latir. Demorou ao menos uma semana para que os fatos se esclarecessem. Meu corpo foi encontrado encoberto pelo mato. Tinha sido atacado por um tamanduá. As garras do bicho golpearam-me o tórax, causando uma hemorragia fatal. 100