Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 6ª edição | Page 93

LiteraLivre nº 6 – novembro de 2017 apartamento do professor onde passaram a morar através de um “aluguel”, sem contrato, arranjo feito por um amigo. Lá já estavam há dois meses, quando Walter chegou e ao abrir a porta percebeu que algo estranho acontecia, até ir ao banheiro e dar com Zainab dentro da banheira. O susto de ambos é grande, aumentado com a chegada de Tarek que agride Walter, pensando ser ele o invasor. Esclarecido o equívoco a saída do casal é a via normal. Situação que precisava logo ser resolvida e que gerou sentimentos de vergonha e subserviência nos clandestinos. A diversidade dos estatutos sociais de cada um deles demarca a intransitividade nas relações.Até então, além do susto, Walter é a imagem da indiferença sobre o futuro do casal. Não demonstrou nenhum sentimento e aceitou, sem hostilidade, mas também sem condescendência, o engano e a saída da dupla. Walter é um sexagenário enviuvado, com uma vida tediosa, não gosta do que faz, leciona apenas um curso ao qual não se dedica, justifica suas parcas atividades docentes pelo tempo que precisa para escrever seu quarto livro, mas também não usa o tempo livre para isto. Como revelará mais tarde finge que está ocupado, finge que trabalha, finge que escreve. Tentou estudar piano, (sua esposa era pianista), mas não tem nem aptidão nem apetência por esta atividade. Sua quarta professora propõe até lhe comprar o piano, porque ele parece propenso a desistir. É significativa a metáfora usada por ela para mostrar a posição correta das mãos no teclado “dedos dobrados como um túnel (...) dê espaço para o trem passar através do túnel”. Walter não entende a metáfora, ele é um homem intransitivo, pouco propenso a qualquer fluidez, suas mãos não abrem passagem, seus dedos estão esticados sobre o teclado. Veio a Nova York, a contragosto, para apresentar um trabalho que, aparentemente, teria escrito com uma colega, agora impossibilitada de vir. Ele titubeia, procura desculpas para evitar esta viagem porque, na verdade, não o escreveu, apenas assinou junto com a colega e se sente incompetente para fazê-lo. Seus argumentos, todavia, não são convincentes e ele se vê obrigado a comparecer.Nos é revelado então um homem envelhecido que não se interessa nem mesmo pela sua própria vida, que não tem nenhuma razão para lutar por ela. Como esperar dele sensibilidade para se preocupar com a vida de seus semelhantes, sobretudo, quando estes outros não são assim tão semelhantes? O que ocorre neste encontro é apenas um incidente de percurso. Esperava Walter chegar ao seu apartamento de Nova York, cansado da viagem, encontrar um lugar onde pudesse dormir e amanhã rumar para o malfadado congresso. É de incômodo e 88