Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 6ª edição | Page 75

LiteraLivre nº 6 – novembro de 2017 Histeria Daguito Rodrigues São Paulo/SP Rasgou minha garganta e feriu o ar. Áspero e agudo. Como uma sirene que anunciava a emergência que explodia em mim. Um apito deselegante, chiado como o fôlego que me faltava. Minha vontade mesmo era de cagar na mesa. Mas o berro se bastou. Esbravejado da goela, irritante para os outros, mas um alívio para mim. Um grito. Desses não articulados, erguidos num alarido infernal. Descompressão. A sala emudeceu. O gerente de não-sei-bem-o-quê cessou a fala. Powerpoint estourado na parede, notebook sobre a mesa. Faces voltadas para o estridente. Eu, que já não rosnava mais. Que encarava os rostos que abominava há anos. De olhos vazios como as palavras que vomitavam todos os dias. Eu estava enjoado e enojado de tudo aquilo. Números afiados que me cortavam os pulsos toda segunda-feira e que nada diziam. O que eu levava para casa? Náusea e asco. Não acreditavam no que havia acontecido. Me fitavam por uma certeza, por um sopro de realidade que os convencesse de que estavam mesmo ali. E de que eu havia erguido a voz sem motivos. Havia um porquê, eu sabia. Vinha me corroendo as veias mês a mês. Adormecido, mas perturbador. Gritei porque posso. E se posso, eu grito. Soltei o uivo mais uma vez. Um falsete que eu desconhecia. Cortante e seco. Gritado do fígado consumido pelo álcool. O tal brado retumbante. Ressonava fino pelas paredes de compensado e pelo carpete cinza. Meu agudo fazia tremer as pálpebras assustadas que me julgavam. Rasgava a rigidez das camisas sociais listradas de azul e branco. E trincava o vidro esverdeado que 70