Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 6ª edição | Page 34

LiteraLivre nº 6 – novembro de 2017 ― Minha senhora, estou certa, sim. É que esse sorvete é importado, diet e de marca famosa. Vai levar? Custou-lhe os olhos da cara, mas mesmo com tamanha vergonha, pagou pelo mínimo potinho. Numa tarde de domingo, o casal recebeu a visita dos sobrinhos queridos e seus filhinhos. A filha mais nova, de cinco anos, amava aquela tia que lhe fazia todos os gostos. Ao vê-la, correu em tamanha velocidade para abraçá-la que acabou batendo sua cabeça no queixo da senhora rendendo-lhe um deslocamento da mandíbula. Ficou muito tempo imobilizada, comendo sopa com canudinho, até que se recuperasse por completo. Certo dia, o marido de Carlota andava de um lado para o outro da casa. Subia e descia aquelas escadas diversas vezes. Ia até a lavanderia, olhava os varais, as roupas para passar. Subia e descia a escadaria novamente. O esposo parecia muito apreensivo, preocupado, apoquentado. Mãos suadas, voz trêmula. Nervoso. Pensou várias vezes antes de perguntar à mulher onde estavam suas meias de cor azul marinho que ele tanto apreciava, onde outrora guardara seu bilhete da loteria, agora premiado. O pagamento seria de enorme valor. Hesitou por um bom tempo até que, no limite do prazo que tinha para receber o prêmio, criou coragem e perguntou: ― Querida, você sabe onde estão as minhas meias azuis? ― Claro que sim, amor. Estão no cemitério. ― Como? No cemitério? Não pode ser! O que você quer dizer com isso? ― gritou o marido numa mistura de indignação, pavor e decepção. ― Por que, querido? Não se preocupe, amanhã compraremos outras iguaizinhas. Quando seu tio Clodoaldo morreu, mês passado, coloquei nele para não ser enterrado descalço. Ah, seus sapatos de couro italiano foram com ele também ― completou. ― Nada, não. Deixa para lá. 29