Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 6ª edição | Page 19

LiteraLivre nº 6 – novembro de 2017 mundo. Tida e havida como íntima das coisas secretas do sagrado, para não dizer feiticeira, a fama da avó passou a dar proteção à neta, e todos, em especial os da fazenda, guardavam o devido respeito por ela. Todos estranharam seu novo proceder, aquilo de ir sozinho e Deus para a Fazenda. Voz geral que ficara corajoso de repente, que trem esquisito, logo ele, como os demais de sua idade, e até mesmo as pessoas adultas tinham medo de um tudo, de onça, de vaca brava, e em especial de assombração. Como se dizia, o caminho para a Fazenda era espichado, e passava por lugares ermos e as árvores, de tão grandes e frondosas, as copas se entrelaçavam, sobrevinha uns túneis, sombreavam imenso percurso com parecença do anoitecer. Havia ainda a passagem pela trilha do Corpo Seco, e conforme a hora ouviam-se rufares de tambores e cantigas de batuque, almas encantadas que saudavam o morrer do dia. O certo é que Bernardino ficara de fato corajoso. E foi depois da derradeira noite que passara ali na Fazenda... Permanecera, como era hábito, até tarde – nove horas já era noite profunda -, a escutar os causos que os agregados contavam ao redor da fogueira, que costumeiramente acendiam num dos cantos da curralama, para espantar o frio. Com a chegada de mais gente à fazenda, cama não havia. Ele, menino ainda, natural que cedesse a acomodação aos mais velhos, e se ajeitasse no quarto de Anália, onde havia mais um catre. A horas tantas, vindo-lhe à lembrança os causos que escutara ao redor da fogueira, perdeu o sono, e mexia e se remexia, o barulho das palhas do colchão deixando-o mais nervoso ainda. 14