Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 6ª edição | Page 108

LiteraLivre nº 6 – novembro de 2017 Perpétua Aparecida Gianello dos Santos Martinópolis/SP História antiga. Crônica. Quem sabe, perpétua. Não. Isto não é um conto de horror como um daqueles que se via no Cine Trash. Até porque Perpétua vive, em algum lugar – no além-túmulo, sei lá... –, perpetuando o meu pouco juízo. Gosto estranho bem que poderia intitular esta, mas Perpétua há muito tem assombrado minhas ideias, de modo que assim começo: Perpétua. Fora ela a culpada pelo meu estranho gosto. Sou do tipo que não pode ver um portão de cemitério aberto que vou logo entrando. Mas calma, não é para tanto. Não furto objetos, nem violo túmulos. Tampouco faço sessões, despachos ou coisas do gênero. Tudo bem, chega de suspense. Adoro ler lápides. Pronto. Falei. A princípio, ainda na tenra idade, meu gosto era só pelas guloseimas deixadas nas catacumbas, especialmente nos Dias de Finados (tradição oriental, eu acho). Comia tudo o que encontrava, mas com uma pequena restrição: – Só coma os embrulhados, e, antes, peça ao morto! – ralhava tia Maria. Depois de algum tempo, já sabendo o bê-á-bá e não podendo mais conter o comichão do querer aparecer a qualquer custo (a boquinha já não queria só comida), era mirar numa palavra para dispará-la aos ouvidos todos que estivessem em volta. Trágico Finados, aquele. Foi quando a coisa toda começou e ela surgiu do nada me fazendo pagar de tolinha na frente dos mais velhos. Para tanto bastou que meus olhos fixassem naquelas discretas plaquinhas rentes ao chão, nos pés de cada túmulo. E... – Perpétua, Perpétua, Perpétua... Credo, quantas Perpétuas enterradas aqui, neste mesmo cemitério! 103