Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 6ª edição | Page 96

LiteraLivre nº 6 – novembro de 2017 não admite a idéia de sair de Nova York enquanto o filho não for libertado, mesmo não podendo ir visitá-lo. Envia bilhetes que Walter mostra para Tarek durante as visitas, fala com ele algumas vezes por telefone e vai conhecer Zainab. Estranha que a namorada de Tarek seja “tão negra”! Os atributos de Zainab, negra e senegalesa, também ensejam a exclamação de Mouna. A negritude se coloca como uma singularidade que gera a estranheza mesmo naquela que também sofre a segregação. Mouna convida Zainab para um chá, mas não há ninguém para ficar na banca de bijuterias... Essa tarefa sobra para Walter que nada conhece do ofício, mas até arrisca algumas informações aos compradores sobre as mercadorias. Já não se trata só de uma manifestação de empatia ou solidariedade. Neste microcosmo relacional os quatro compõem, com suas diversidades, um “cimento social” que funda uma unicidade, um “nós”. Apesar de todas as diferenças ou, talvez em razão delas, estão irmanados no apoio mútuo e na libertação de Tarek. Quando Zainab diz a Walter que nenhum homem tinha sido libertado da prisão que ela conhecia, Walter lhe assegura: “Nós vamos libertá-lo. ” O espírito de proxemia que caracterizava, na Grécia antiga, apoio e hospitalidade pública prestada ao estrangeiro, inaugurado na partilha do espaço-tempo, cria um enraizamento antropológico que os une com mais força do que laços de consangüinidade. Eram estranhos, diversos em tantas particularidades, atravessaram as suas dissemelhanças para um ser-estar- juntos, fundando a negociação com a alteridade. Esta agregação social, formada agora por estas quatro pessoas, nasceu de uma efervescência circunstancial – o equívoco da ocupação do apartamento. Deste fato é possível observar uma importante regra sociológica: toda efervescência é estruturalmente fundadora, mesmo quando caótica. Juntos eles estão, cada qual em maior ou menor grau, inaugurando uma nova família não parental.Um código de honra nesta nova tribo é a ajuda mútua, as vezes não dita, a selar o laço social. O constrangimento é ritualizado em diversos momentos e pode ser observado: Zainab faz o jantar e convida Walter a partilha-lo; Walter cuida da banca de bijuterias para que Zainab possa ir tomar um chá com Mouna; Walter compra comida chinesa e convida Zainab que não aceita, mas ele diz que vai deixar na geladeira, para no caso dela mudar de idéia; Mouna limpa os vidros das janelas do apartamento enquanto Walter esta viajando, organiza o espaço e compra o jornal para Walter; este traz para Mouna o jornal sírio, juntamente com o seu; Tarek empresta o tambor e estimula Walter a tocá-lo, lhe dá as 91