LiteraLivre n º 6 – novembro de 2017
Ela não sabia, claro. Abria mais os olhinhos, se ajeitava na cama e ficava mais atenta. Eu completava: ele nasceu de novo, dois dias depois de ter morrido. Aí ele apareceu para seus amigos, assim, do nada, de repente. Aí os amigos, que tinham visto ele morrer, ficaram com medo, meu anjo, assim, igual você está com medo. Sabe o que ele disse aos seus amigos? Ele falou assim:“ Não tenham medo! A Paz esteja com vocês!” Então, meu anjo, eu também digo a você: não tenha medo!
Ela sorria, me abraçava, e eu sabia que estava em paz. Ironia do destino, nossas incoerências de cada dia: agora, sou eu, logo eu que lhe ensinei a não ter medo, agora sou eu quem estou tomado pelo medo.
Sempre fomos muito apegados, eu a ela, ela a mim.“ Tô com ciúmes!”, brincava a mãe, que, no fundo, morria de ciúmes mesmo. Mas isso não tem nenhuma importância agora. Agora, o que temos, a mãe e eu, seu irmãozinho, é sua ausência, é a falta que ela nos faz, é o vazio.
“ O tempo é o senhor de tudo!” foi o que me disse um amigo na hora derradeira, querendo animar-me. Uma frase que eu mesmo, tantas vezes, disse a outras pessoas. Porém, naquele momento, era uma frase vazia pra mim, de nada adiantava. Não adiantou naquele dia, não me serviu no dia seguinte e nos outros. Era amor, era costume.
Eu sempre dizia que ela tinha tido sorte. Quando nasceu, eu fazia Mestrado, licenciado do trabalho, passava as manhãs em casa e ia para a Universidade à tarde. Podia ficar com ela todas as manhãs, dava banho, trocava as fraudas, dava papinha. Se chorava muito e eu não conseguia consolá-la, a colocava na cadeirinha do carro, dava uma volta no bairro e ela dormia. A pegava em meus braços – que saudades dela! Que saudades de seu corpinho de criança, que vontade de voltar a protegê-la entre meus braços!- e a levava para seu berço.
Sempre a levei para a escola:
58